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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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Sem paciente bem informado, é impossível democratizar a saúde

A grande vantagem do letramento em saúde é a possibilidade de empoderar o paciente, para que ele assuma papel ativo em seu tratamento

Por Claudio Lottenberg
Atualizado em 9 Maio 2024, 20h14 - Publicado em 8 nov 2023, 11h21

“Conhecimento é poder”, diz a velha frase do filósofo Francis Bacon, hoje transformada em clichê. Na medicina, essa ideia tem importância maior do que pode parecer à primeira vista.

Nos últimos anos, nós, profissionais da área, vimos crescer as discussões sobre o chamado “letramento em saúde”, ou “alfabetização em saúde”. Como no caso do letramento stricto sensu, aquele que nos permite dominar o idioma pátrio, o letramento em saúde também diz respeito ao domínio de uma linguagem. No caso, a linguagem falada nos hospitais, consultórios, enfermarias, farmácias e demais instituições de saúde.

O indivíduo letrado em saúde é aquele capaz de compreender informações relacionadas à área, como aquelas contidas em receitas, bulas, prescrições de medicamentos, documentos diversos e até termos de consentimento, para si ou para dependentes.

Além de estar melhor preparado para acompanhar diagnósticos e recomendações de tratamento, quem é letrado em saúde comunica melhor ao médico suas queixas e sintomas, o que, por óbvio, torna o atendimento mais eficiente.

Em sentido amplo, letramento em saúde se refere ainda a habilidades como ler e compreender as informações nutricionais nos rótulos de alimentos, ou dosagens de medicamentos, isto é, tarefas corriqueiras que, no entanto, têm enorme impacto sobre nosso bem-estar.

Se conhecimento é mesmo poder, a grande vantagem do letramento em saúde é a possibilidade de empoderar (outra palavra nova) o paciente, para que ele assuma papel ativo em seu tratamento, fazendo escolhas conscientes, compreendendo riscos de cada procedimento ou ainda sendo capaz de organizar sua rotina de acordo com as recomendações médicas.

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A medicina se apoiou por muito tempo num modelo prescritivo, no qual o médio, detentor único do conhecimento, diz ao interlocutor passivo (não por acaso nomeado “paciente”) o que deve ser feito. Esse modelo não é de todo incorreto, pois a prescrição é inerente à saúde – é o profissional da área que detém, afinal, um conhecimento especializado. Mas ele precisa ser contrabalanceado pelo respeito ao poder de escolha do paciente.

O letramento em saúde equilibra esses dois polos. Sem jamais incentivar a automedicação, ele permite que o paciente, incluído no processo decisório de seu tratamento, esteja equipado intelectualmente para tomar decisões realmente bem-informadas.

Há poucos dados abrangentes e atualizados sobre o nível do letramento em saúde da população. Um dos melhores trabalhos sobre o tema, publicado há duas décadas, é o National Assessment of Adult Literacy, que avaliou o domínio técnico da população adulta dos Estados Unidos, revelando que o letramento em saúde de mais de um terço do país estava no nível básico ou abaixo do básico (22% e 14%, respectivamente).

Outro estudo abrangente, o International Adult Literacy and Life Skills Survey, publicado na mesma época, comparou o nível de conhecimento em sete países a partir de cinco temáticas: promoção da saúde, proteção à saúde, prevenção de doenças, navegação pelo sistema de saúde e cuidado/manejo da doença.

Até por seu caráter internacional, o estudo apontou tendências preocupantes, como o fato de que 80% dos entrevistados idosos demonstrou nível baixo de letramento em saúde.

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Os poucos dados existentes sobre a realidade brasileira também pintam um cenário ruim. Um estudo realizado em 2006, em São Paulo, concluiu que 32,4% do público tem letramento em saúde marginal ou inadequado. Entre os idosos, esse índice passou dos 50%.

Se considerarmos os índices gerais de analfabetismo funcional no Brasil, os dados mais recentes, de 2012, indicam que 17,7% da nossa população é incapaz de compreender textos ou operações matemáticas simples. Como há uma óbvia correlação entre esses dados e os de letramento em saúde, é seguro dizer que ao menos um quinto dos brasileiros está mal preparado para acompanhar e participar ativamente do cuidado com sua saúde.

Felizmente, há iniciativas para reverter esse quadro. Trata-se, na verdade, de uma consequência natural da modernização e digitalização da medicina, pautada pela ideia de atendimento em saúde personalizado e com maior foco no acompanhamento sistemático dos tratamentos.

Da atualização dos apps dos hospitais à possibilidade de tirar dúvidas imediatamente com um profissional de saúde, via chat ou teleconsulta, as instituições de saúde estão cada vez mais conscientes da importância de educar o paciente. Ademais, com a quase universalização da internet, esse paciente também chega ao hospital mais bem informado, sobretudo após a pandemia, que colocou temáticas da área da saúde na ordem do dia.

É preciso aprofundar esse processo, com o engajamento das instituições de saúde e, mais amplamente, com investimento sério em uma educação que prepare nossos jovens para os desafios que irão encontrar, inclusive no cuidado com sua saúde.

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Parafraseando o filósofo, conhecimento é mais que poder: é também autonomia, bem-estar e qualidade de vida. Um paciente bem informado é peça-chave em qualquer plano sério de democratização da saúde.

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