Os danos à saúde causados pela pandemia vão muito além das sequelas deixadas pela Covid-19. A interrupção de tratamentos, forçada pela necessidade de manter o distanciamento social, trouxe consequências a pacientes com cardiopatias, em tratamento contra o câncer e muitos outros problemas, que levarão tempo para serem revertidas. Isto sem nem mencionar os inúmeros problemas que provocou nos sistemas de saúde. Outra área seriamente afetada tem recebido relativamente menos atenção no noticiário – mas que tem no mínimo tanta importância quanto – é a de tratamentos oftalmológicos.
Levantamento recente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), a partir de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), mostrou que em 2019 (antes da pandemia, portanto) foram realizadas 10,8 milhões de consultas. Em 2020, foram 7,1 milhões. Trata-se de nada menos que a maior queda, em termos absolutos, entre todas as especialidades oferecidas na rede pública. Entre abril e maio de 2020 – meses em que esteve em vigor o estado de calamidade pública por conta da Covid-19 – se concentraram as maiores reduções em termos percentuais: 74% e 71%, respectivamente, no total de procedimentos, segundo a CBO. Apenas 509 mil consultas foram realizadas nesses meses no ano passado, enquanto no mesmo período de 2019 houve bem mais que o triplo: 1,8 milhão de atendimentos.
Também se viu queda, embora menos acentuada, na realização de cirurgias oftalmológicas: pouco mais de 1 milhão de procedimentos no país no ano passado, contra 1,4 milhão em 2019. Para este ano, há uma expectativa de retomada do ritmo, mas ainda distante do período pré-pandemia: até julho foram 717,7 mil procedimentos. O número é 29% maior que o registrado um ano antes (555,4 mil), mas em 2019 no mesmo período foram feitas 829,5 mil cirurgias. Os dados foram levantados junto ao Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS.
Os problemas oftalmológicos talvez não tenham junto à maioria das pessoas o mesmo apelo de urgência que outras questões de saúde podem inspirar, mas para os olhos vale o mesmo princípio fundamental aplicável a toda e qualquer doença: quanto mais cedo é feito o diagnóstico, mais rápido, simples e eficiente pode ser o tratamento. Quem adia a visita ao oftalmologista se expõe ao risco de doenças como glaucoma, catarata ou ao agravamento de retinopatia diabética, por exemplo. A interrupção dos exames e consultas durante o início do período da quarentena afetou um número considerável de pessoas, cujos tratamentos para doenças oftalmológicas certamente serão mais complexos.
Com o avanço da vacinação, haverá condições para que não só os tratamentos oftalmológicos como os de toda e qualquer doença voltem à normalidade. Já passa de 48% a proporção de brasileiros com o esquema vacinal completo (com duas doses ou dose única), e mais de 73% da população recebeu ao menos uma dose. E o avanço da imunização precisa continuar. Com a proteção proporcionada pela vacina, além do uso de máscara e da higienização frequente das mãos, as consultas vão se tornando mais seguras. Tratamentos oftalmológicos, se adiados, causam danos ao aparelho da visão que podem se tornar irreversíveis.
“Os olhos dos homens conversam tanto quanto suas línguas, com a vantagem de que o dialeto ocular não carece de dicionário, mas é compreendido em todo o mundo”, escreveu o ensaísta e filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson. Seria impossível tentar condensar num único texto a importância dos olhos – desde as incontáveis referências a eles nas muitas manifestações da arte até seu papel central num tempo em que toda informação se transmite em telas, por escrito ou em vídeos. Mas, além de serem as proverbiais “janelas da alma” e talvez os instrumentos mais demandados para que tenhamos contato com o mundo, os olhos são órgãos de um delicado e complexo ajuste. Sua saúde merece, por isso, todo o nosso contínuo cuidado.