O sistema brasileiro de saúde está doente. Os sintomas são variados e inequívocos. Assistimos há pouco a uma epidemia de cancelamentos unilaterais dos planos de saúde coletivos, sob a alegação de que se tornaram economicamente inviáveis. E há também a judicialização em progressão geométrica da relação entre as empresas de saúde suplementar e os seus beneficiários. Estes acionando a Justiça para terem acesso a tratamento e procedimentos que, imaginam, deveriam ser cobertos pelo contrato que firmaram.
De acordo com o mais recente levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a quantidade de processos de usuários contra planos de saúde cresceu mais de 50% entre 2020 e 2023 – de 80,7 mil ações para 122,2 mil. Apenas nos quatro primeiros meses desse ano, o CNJ contabilizou 4 mil novas ações. O acesso à saúde é um direito constitucional e o cidadão deve exercê-lo de forma plena. Os números mostram, porém, que estamos diante de um modelo de saúde que respira por aparelhos.
O ecossistema brasileiro de saúde se apoia em dois pilares principais: o Sistema Único de Saúde, o SUS, público, que oferece atendimento gratuito e universal, e os serviços de saúde suplementar, compostos pelas operadoras de planos e seguros privados de assistência médica contratados em planos individuais, coletivos ou por meio empresarial. Hoje, 54 milhões de brasileiros são usuários dos serviços privados de saúde.
Os dois pilares estão conectados e são interdependentes. O que ocorre em um afeta o outro e vice-versa. A excessiva judicialização, por exemplo, tem efeitos deletérios sobre ambos. Tramitam no país atualmente 540 mil processos relativos à área da saúde. Em apenas um ano, o Estado brasileiro gastou R$ 2,2 bilhões para atender às demandas de menos de 6 mil indivíduos que obtiveram decisões judiciais favoráveis. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), as despesas judicias das operadoras alcançaram R$ 5,5 bilhões em 2023, aumento de 37,6% em comparação ao ano anterior. Nos últimos cinco anos, o custo com a judicialização para o segmento foi de R$ 17 bilhões.
Essa conta impacta os custos públicos de financiamento da saúde, desequilibrando economicamente o setor. Pesa igualmente no bolso dos usuários dos planos de saúde, pois acaba refletida nas mensalidades. Acionar a Justiça em busca de tratamento médico é direito inequívoco. O problema é quando aquilo que deveria ser exceção vira praxe.
A insegurança provocada pelo excesso de judicialização poderia ser combatida com uma atuação mais assertiva e equânime da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ambas tiveram papel central na estruturação do setor, estabelecendo as suas regras de funcionamento, consolidando procedimentos, parâmetros e limites de atuação. Agora, é preciso dar um passo além e modernizá-las. Em parceria com os atores que compõem o mercado encontrar o equilíbrio entre o direito à saúde e um sistema de saúde sustentável.
É a ANS, por exemplo, que determina o rol de procedimentos que devem ser atendidos pelos planos de saúde, assim como a Anvisa dá o sinal verde para a incorporação de medicamentos cobertos pelo SUS, o que serve de referência para todo o segmento. Trata-se de um desafio e tanto para o corpo técnico das agências, uma vez que a tecnologia tem acelerado as inovações na medicina. Daí porque as agências devem ser fortalecidas em estrutura e mão de obra, de forma que possam decidir com celeridade sobre novas terapias e remédios de eficácia comprovada, que realmente tragam benefícios aos usuários, sem criar falsas expectativas que, no mais das vezes, acabam nas barras dos tribunais.
Os gargalos da saúde brasileiras não se resumem à judicialização tampouco à atuação das agências reguladoras, é certo. Mas enfrentar um e modernizar as outras já seria um ótimo começo.