Ao nascer, o pai decidiu que o menino seria campeão de golfe. Aos 2 anos, começaram os treinos, “científicos” e obsessivos. Aos 5, venceu todos no clube local. E toma tacada na bolinha. Tiger Woods virou o melhor de todos.
A família de Roger Federer nunca o pressionou a nada. Na sua juventude, praticou inúmeros esportes, e em vários deles era excelente competidor. Sua escolha do tênis veio bem mais tarde. E tornou-se o sucesso que conhecemos.
Um começou como especialista, o outro, como generalista. Qual a melhor fórmula? Depende do esporte. Quando a gama de opções é restrita e bem definida, como no golfe, especializar-se é uma boa estratégia. Mas no tênis mudam a raquete, a quadra, a técnica, a personalidade do adversário e o clima do jogo. Cada momento pede uma estratégia. A largueza da experiência de Federer deu-lhe uma vantagem indiscutível. Até aqui, inspirei-me no esplêndido livro de David Epstein, Por que os Generalistas Vencem em um Mundo de Especialistas, de 2019.
Vejamos agora como essas ideias se rebatem no ensino superior brasileiro. Na cirurgia de catarata ou na microcirurgia, vence o dono das mãos mais precisas e adestradas. Mas do clínico geral espera-se um repertório técnico variado, amplo, crescente e com intuições criativas. E, também, preparo para enfrentar os dramas e as idiossincrasias de cada paciente, lidando com a vida, o sofrimento e a morte. Essa atividade pede uma formação mais abrangente.
“Vale mais a postura generalista do tenista Roger Federer do que a especialista do golfista Tiger Woods”
Na antiga fórmula francesa, os cursos superiores eram estreitamente focados na profissão. Foi lá desenvolvida quando o ensino médio tinha excepcional qualidade, pois atendia apenas uma elite (5% dos jovens franceses). Os alunos saíam com uma impecável formação, geral e nas humanidades. Estavam prontos para aprender a profissão. Mas com o agigantamento e a banalização do ensino médio, a França gasta hoje três anos do superior em formação geral — de resto, é a mesma fórmula adotada em toda a Europa.
Nossa escola básica, mambembe, fornece ao ensino superior alunos mal preparados. Não obstante, copiamos e insistimos na antiga fórmula francesa de oferecer um curso puramente profissional, como se a formação prévia fosse adequada, como era antes na França. E para que serve a nossa especialização profissional estreita? Como alhures, nem a metade dos graduados faz o que diz o diploma. Nas áreas sociais, nem um quarto. Na maioria dos casos, aprende-se na prática profissional. Porém, quanto mais sólida e ampla a educação prévia, mais eficaz o “aprenda fazendo”. Portanto, maior o desempenho e mais acelerado é o crescimento na carreira.
Ademais, as profissões que exigem a especialização extrema são repetitivas. São um convite à invasão das máquinas e da inteligência artificial. Nessas ocupações as máquinas estão à espreita. Por exemplo, radiologistas e escrevinhadores de petições legais já perdem para as soluções tecnológicas.
Por que não reforçar a formação geral, inspirando-se no ensino superior dos países mais avançados? Será que as nossas doutas autoridades — em coro com os conselhos profissionais — não entenderam a burrice de andar ao arrepio da história?
Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703