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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Programa de saúde pública brasileiro faz 30 anos como exemplo mundial

Lançado em 1994, o Programa Saúde da Família ajudou a reduzir a mortalidade infantil e materna no país e é considerado um dos modelos mais exitosos do mundo

Por Andréia Peres Atualizado em 9 Maio 2024, 12h46 - Publicado em 2 abr 2024, 09h04
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  • Durante muitos anos, fui diretora voluntária de relações institucionais da Associação Saúde da Família (ASF), uma organização social que tem um trabalho de referência na área de saúde pública. Lembro que, em setembro de 2016, fui chamada à sede da associação para receber o ministro da Saúde da Suécia, Gabriel Wikström, junto com outros membros da diretoria e da equipe técnica da organização. O ministro estava ansioso para conhecer mais sobre a Estratégia Saúde da Família (ESF) e sobre os agentes comunitários de saúde. Naquele momento, tive clareza da importância do programa não apenas para o Brasil, mas para outros países do mundo que têm, sim, muito o que aprender com ele.

    No dia 22 de março, o Programa Saúde da Família (PSF) completou 30 anos com motivos de sobra para comemorar. Rebatizado de Estratégia Saúde da Família (ESF), em 2006, o programa coleciona reconhecimentos. Um de seus principais componentes, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), é considerado um exemplo para o mundo pela Exemplar in Global Health, parte da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, e vem servindo de modelo para o sistema público britânico.

    Segundo um dos formuladores do programa, o médico Halim Antonio Girade, o fortalecimento e a reorganização da atenção primária de saúde no Brasil pelo PSF reduziram a mortalidade materna em 39% e a mortalidade infantil em 36,3% entre 1996 e 2004. Um feito inédito, com repercussão mundial no alcance das metas de desenvolvimento do milênio. “Não há nada semelhante no mundo em um país com uma população com mais de 200 milhões de habitantes”, diz Girade, que está escrevendo um livro sobre o programa.

    OS IMPACTOS DO PROGRAMA

    Em 2022, a mortalidade infantil atingiu a mínima histórica, segundo relatório da ONU. A taxa global de mortalidade infantil abaixo dos 5 anos diminuiu 51% desde 2000. No Brasil, a queda foi de 60% no mesmo período.

    “Com certeza, a Estratégia Saúde da Família contribuiu significativamente para um melhor resultado do Brasil na redução da mortalidade infantil”, reconhece Felipe Proenço de Oliveira, secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, em entrevista a esta coluna, lembrando que elementos como saneamento, educação e a questão do acesso à saúde como um todo também tiveram participação nesse feito.

    Para se ter uma ideia do impacto do programa, no segundo ano de atuação da ESF em um município a taxa de mortalidade infantil se reduz em média entre 3% e 9% em relação à taxa do período anterior à implementação da Estratégia, segundo o relatório Impactos da Estratégia Saúde da Família e Desafios para o Desenvolvimento Infantil, do Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI). “Quanto mais longo o acompanhamento, maior o resultado”, diz Oliveira. De acordo com o relatório do NCPI, após oito anos a taxa cai entre 20% e 34%.

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    O relatório também cita impacto na redução da mortalidade materna e até na educação. De acordo com a publicação, estudos comprovam que a ESF reduziu a mortalidade materna em 53,1% em oito anos de atuação. A presença da ESF nos primeiros anos de vida está associada ainda a um aumento na probabilidade de as crianças continuarem na escola e a diminuição do atraso escolar.

    Recentemente, o bilionário e filantropo americano Bill Gates publicou em seu blog Gates Notes um artigo em que se refere aos agentes comunitários de saúde (ACS) e ao SUS como exemplos para o mundo.

    Intitulado “Lições de salvamento de vidas no Brasil – O que o maior país da América do Sul pode ensinar ao mundo sobre saúde” (tradução livre), o artigo lembra que em cerca de três décadas o Brasil reduziu a mortalidade materna em quase 60%, diminuiu a mortalidade infantil de menores de cinco anos em 75% e aumentou a expectativa de vida em quase uma década. “Nenhuma dessas conquistas foi acidental. Elas são resultado de investimentos de longo prazo que o Brasil fez em seus sistemas de atenção primária à saúde que outros países podem aprender e imitar”, diz Gates.

    Para Felipe de Oliveira, há três fatores que fazem o modelo brasileiro ser considerado um exemplo. O primeiro é a oportunidade de fazer ações de vigilância, prevenção e acompanhamento no território. Outra razão do sucesso, segundo ele, é o agente comunitário de saúde. “Não são todos os países que têm esse trabalhador com vínculo na comunidade, que faz toda a diferença”, diz. O terceiro fator – e não menos importante – são as equipes multiprofissionais, com médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e, se necessário, equipes de saúde bucal. “Por se organizar num território, a Estratégia Saúde da Família consegue acompanhar as pessoas, estar nas casas delas, entender as dinâmicas”, reforça.

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    PROGRAMA ESTÁ PRESENTE EM 99,9% DOS MUNICÍPIOS

    Hoje, 79% da população brasileira é coberta pela ESF. São 5.567 municípios atendidos, o que corresponde a 99,9% dos municípios do país. Ao todo, há, segundo o Ministério da Saúde, 51.379 equipes de saúde da ESF e 170 milhões de pessoas atendidas.

    “A implantação do Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde contribuiu imensamente na ampliação do acesso da população brasileira às informações mais básicas, simples e eficazes de saúde, principalmente quando se juntou ao Programa Saúde da Família, em 1994, onde pelo menos 80% dos agravos poderiam ser resolvidos”, afirma Halim Antonio Girade.

    Para delinear os princípios do programa, Girade diz que aproveitou sua experiência como médico de família e comunidades em periferias vulneráveis de cidades que não tinham praticamente nada de acesso a serviços de saúde no estado de Goiás, assim como o trabalho em mais de 6 mil quilômetros dos rios Solimões e Amazonas com comunidades indígenas e ribeirinhas e cidades dos mais variados portes, principalmente as pequenas.

    “Por ter sido médico de família em comunidades vulneráveis, tinha certeza de que esses programas poderiam contribuir para melhorar a atenção primária de saúde, diminuir a morbimortalidade principalmente de gestantes e crianças e as desigualdades”, diz ele.

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    Girade reconhece que duas iniciativas o influenciaram na criação do PSF: a do sistema de saúde de Cuba e a do Sistema Nacional de Saúde inglês. Em ambas, os médicos trabalhavam perto das famílias, nas comunidades.

    Aplaudido hoje, no início o programa sofreu resistência da academia ao novo modelo (o modelo vigente era centrado na consulta médica apenas), além de enfrentar problemas como financiamento e formação e qualificação dos profissionais, diz a médica Eliana Maria Ribeiro Dourado, primeira gerente nacional do PSF.

     DESAFIOS PARA O FUTURO

    Para os próximos anos, a intenção do Ministério da Saúde é reforçar o papel das equipes multiprofissionais e da própria Estratégia Saúde da Família, que no governo anterior “deixou de ser priorizada”, afirma o secretário de Atenção Primária à Saúde. Investir na qualificação do programa e reforçar o papel das equipes na periferia das grandes cidades também são atividades que estão nos planos. O ESF chega aos 30 anos como uma das principais – e mais longevas – políticas de Estado brasileiras, com reconhecimento nacional e internacional. Um presente e tanto para todos nós.

    * Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

     

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