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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Guerra às drogas não acaba com a violência e custa caro ao Brasil

Segundo o Atlas da Violência 2024, a cada ano as perdas econômicas geradas por esses eventos chegam a cerca de 51 bilhões de reais

Por Andréia Peres 9 jul 2024, 09h00

“A guerra às drogas custa caro para o Brasil”, alerta Daniel Cerqueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), coordenador do Atlas da Violência 2024 e um dos maiores especialistas em segurança pública do país, em entrevista à coluna.

A vida não tem preço, mas as perdas econômicas geradas por esses eventos podem, sim, ser calculadas com base no uso de métodos econométricos. “Os jovens que morreram prematuramente por violência deixaram de produzir e de consumir. A prevalência de mortes violentas em determinados locais gera medo com o potencial de alterar as decisões de consumir, de poupar e de investir”, esclarece o relatório, que estima que a cada ano a conta dessas perdas seria em torno de 51 bilhões de reais.

O debate é tão urgente e necessário que, pela primeira vez, o Atlas da Violência, produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, traz este tema a partir de achados de várias pesquisas feitas no instituto nos últimos anos.

No geral, os resultados dos estudos mostram que a proibição das drogas não contribui para a melhoria da justiça e equidade social no Brasil. Pelo contrário. Estimula o tráfico de drogas, produzindo violência e corrupção, gera estigma e prejudica a saúde de pessoas que usam drogas além de sustentar o racismo estrutural, fortalecendo estereótipos e agravando a criminalização seletiva da juventude negra e periférica.

“O encarceramento em massa, a guerra às drogas e o proibicionismo não acabam com a violência”, diz Daniel Cerqueira, que compara prisão a antibiótico. Ambos são importantes, mas não servem para tudo. E, o que é pior: o exagero pode ser ainda mais prejudicial. No caso dos antibióticos, cria as superbactérias. No mundo do crime, as facções.

“Da última vez que contei, numa pesquisa por internet, havia 79 facções no Brasil. Todas elas nasceram dentro das prisões e a partir de um processo de sucateamento do sistema de execução penal que o Estado perdeu o controle”, afirma.

Em vez de orientar as prisões por um sistema de inteligência, que identifique os criminosos mais perigosos, a política de segurança pública, grosso modo, tem sido, segundo ele, a do policiamento ostensivo, em que o negro pobre é quem vai ser preso, com qualquer quantidade de maconha.

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A MAIORIA DOS RÉUS PROCESSADOS SÃO JOVENS E NEGROS

Estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais (Neri) do Insper mostra que cerca de 31 mil pessoas pretas e pardas foram enquadradas como traficantes em situações que os brancos seriam considerados usuários. A pesquisa analisou 3,5 milhões de boletins de ocorrência da polícia paulista de 2010 a 2020.

Segundo o Atlas da Violência 2024, os sujeitos criminalizados como traficantes são, em sua maioria, homens (86%), jovens (72% com idade até 30 anos), de baixa escolaridade (67% não concluíram o ciclo da educação básica) e negros (68%). Ainda segundo o relatório, a maioria (53,9%) dos réus processados são jovens de até 30 anos e negros, simultaneamente.

Na grande maioria dos casos, houve prisão em flagrante (85% dos réus processados) por policiais militares (76,8% dos flagrantes). Em geral, a motivação para abordagem, conforme relato dos policiais, consiste em comportamento suspeito ou denúncia anônima – raramente documentada no processo. Por outro lado, apenas 16% dos inquéritos policiais estiveram relacionados a investigações anteriores e poucos são os processos em que houve algum tipo de quebra de sigilo (telefônico, comunicações ou bancário) ou mandado de busca e apreensão.

Boa parte dos réus (41%) foram alvo de busca domiciliar sem mandado judicial, como determina a lei. De acordo com o relatório, análise do georreferenciamento em cinco capitais comprova o que vemos quase todos os dias nos noticiários: esses domicílios se concentram em bairros pobres e com população majoritariamente negra. Bairros ricos e com maior percentual de pessoas brancas estão praticamente imunes a esse tipo de ação policial.

MAIS DE UM MILHÃO DE ANOS POTENCIAIS DE VIDA PERDIDOS

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Os resultados dessa política são desastrosos.  Mais de um terço das mortes no Brasil (34,3%) está relacionada ao proibicionismo de drogas, calcula Daniel Cerqueira, que também estimou os Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) em 1 148 000 anos, apenas em 2017.

No final de junho, após nove anos de sucessivas interrupções, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo importante para colocar um ponto final nessa guerra. Descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal e fixou a quantia de 40 gramas para diferenciar usuários de traficantes.

Com a decisão, a lei deixou de prever a pena de prisão para usuário, mas manteve a proibição. É bom lembrar, no entanto, que a decisão diz respeito apenas a maconha. A guerra, portanto, ainda está longe de acabar e o Congresso Nacional tem ameaçado com retrocessos.

“Já passou do momento de o Brasil repensar a política do proibicionismo de drogas, como inúmeros países vêm fazendo”, conclui o Atlas da Violência 2024. Bons argumentos nesse sentido realmente não faltam.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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