O Brasil tem 48.734.558 crianças e adolescentes de até 18 anos, praticamente um quarto da nossa população (24%) e o equivalente a quase cinco vezes a população de Portugal. Apesar de estarem sempre presentes nas campanhas políticas, em geral sorrindo para as câmeras, a infância e a adolescência ainda não são tratadas como prioridade absoluta nas candidaturas ao executivo municipal, segundo a Agenda 227, um movimento apartidário que reúne 448 organizações da sociedade civil de todas as regiões brasileiras. Ao mesmo tempo, estão sobrerrepresentadas nos indicadores que radiografam a desnutrição, a pobreza, o racismo, o capacitismo, os estigmas, as violências e as demais desigualdades que marcam nossa história.
Para Miriam Pragita, da diretoria executiva da Agenda 227, é urgente priorizar crianças e adolescentes nas próximas eleições municipais. “É nas cidades que a população tem contato com direitos básicos e fundamentais e, por isso, é onde precisamos garantir que estejam fortalecidas políticas de educação, saneamento básico, segurança, renda, entre outras”, diz, em entrevista a esta coluna, reforçando que investir nesse segmento da população traz impactos positivos a médio e longo prazo para o desenvolvimento humano e econômico do país.
A exemplo do que aconteceu nas eleições para presidente, em 2022, a Agenda 227 lança hoje (28/5) o documento Prioridade absoluta nas Eleições 2024: diretrizes para uma gestão municipal comprometida com a infância e a adolescência, ao qual a coluna teve acesso com exclusividade, com diretrizes em 22 áreas estratégicas para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes nos municípios.
MUDANÇAS NA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA MUNICIPAL E NOS MECANISMOS DE GESTÃO
Entre as mudanças propostas, a Agenda 227 sugere a discriminação de recursos para a população de 0 a 18 anos no planejamento e execução orçamentária. De acordo com o documento, “as análises têm demonstrado que as peças orçamentárias dos municípios precisam avançar nessa abordagem”, discriminando os recursos direcionados para crianças e adolescentes em diferentes setores.
Também defende uma revisão da estrutura administrativa municipal, com a criação de uma instância intersetorial capaz de coordenar a mobilização de ações hoje pulverizadas entre as diversas secretarias e órgãos que constituem o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
“Apesar dos progressos conceituais e legais, ao longo das últimas décadas, registram-se falhas na articulação intersetorial das políticas dirigidas a população de 0 a 18 anos”, aponta o documento, que sugere ainda o fortalecimento dos Conselhos Municipais de Crianças e Adolescentes, hoje presentes em 5.489 cidades brasileiras, e a integração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), nas políticas públicas municipais, em articulação com o setor privado e a sociedade civil.
Segundo Pragita, as ações estruturais propostas fortalecem o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente e têm potencial para fazer avançar essa agenda para 2030. “Algumas áreas progridem mais do que outras, mas pretendemos fazer o monitoramento e a avaliação das diretrizes municipais após as eleições”, planeja.
Na história recente do Brasil, a sociedade civil teve um papel fundamental para a redemocratização do país e, também, para que ocorressem avanços importantes em relação a garantia de direitos de crianças e adolescentes tanto na Constituição Federal, de 1988, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. As próximas eleições municipais podem ser um novo marco nesse sentido.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.