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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Cresce o número de assassinatos de crianças pequenas no país

Entre 2021 e 2023, houve um aumento dos assassinatos de crianças, especialmente na faixa etária de 0 a 4 anos, diz relatório

Por Andréia Peres 27 ago 2024, 09h00
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  • Violência contra a criança e adolescente tem que ser tratada como tema nacional. “É uma situação de calamidade pública”, diz Garrido de Paula, um dos autores do ECA
    Violência contra a criança e o adolescente tem que ser tratada como tema nacional. “É uma situação de calamidade pública”, diz Garrido de Paula, um dos autores do ECA  (Arquivo/Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

    Uma das maiores especialistas em violência contra a criança do país, a professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP) Maria Amélia Azevedo, já falecida, costumava colecionar recortes com notícias sobre o assunto para mostrar o quanto esses crimes são frequentes e estão perto de nós. Por trás dos números, há uma série de Marias, Joanas, Pedros e Antônios, costumava falar mostrando as inúmeras notícias que guardava. Quando li o último relatório publicado recentemente pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) lembrei dela e da sua pasta de recortes que tornava real o que é difícil e dolorido imaginar.

    Intitulado Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, a 2ª edição do relatório (2021-2023) revela o que define como “um cenário de muito risco para crianças e adolescentes no país”. “Uma verdadeira tragédia”, diz Paulo Afonso Garrido de Paula, um dos autores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, em entrevista à coluna.

    MAIS DE 15 MIL VÍTIMAS

    Os números de fato impressionam e dão a dimensão dessa tragédia de tantas Marias, Joanas, Pedros e Antônios. Entre 2021 e 2023, foram contabilizadas 15.101 vítimas letais de mortes violentas intencionais.

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    Do total de vítimas, a imensa maioria (91,6%) está na faixa etária entre 15 e 19 anos, mas chama a atenção o aumento das mortes violentas contra crianças de até 9 anos, que cresceram nesse período no país, em contramão ao que se constatou em relação às vítimas mais velhas, entre 10 e 19 anos, mais marcadas pelas dinâmicas da violência urbana. O aumento foi mais sensível entre aqueles de até 4 anos (20,4%), o que, segundo o relatório, “acende um alerta sobre os riscos a que estão submetidas as crianças na fase inicial de vida”.

    Diferentemente do que ocorre com os adolescentes, entre crianças a maioria das mortes acontece na residência e são de autoria de conhecidos. De acordo com o estudo, isso “permite inferir que frequentemente decorrem de maus-tratos que se passam no ambiente intrafamiliar”.

    Ou seja, são em sua maioria casos de violência doméstica. Dramas como o do menino Bernardo Boldrini, que foi assassinado aos 11 anos, em abril de 2014, na cidade de Três Passos (RS), por superdosagem de medicamentos. O caso que chocou o país terminou com quatro condenados pelo crime, entre eles o pai e a madrasta, e motivou a criação de uma lei, a Lei nº 13.010, conhecida como Lei Menino Bernardo, que completou dez anos em junho e estabelece o direito da criança e do adolescente serem educados sem o uso de castigos físicos, de tratamento cruel ou degradante.

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    Segundo Garrido de Paula, que lançou recentemente o livro Curso de Direito da Criança e do Adolescente (Cortez Editora), para alterar esse cenário cada vez mais dramático é necessário, antes de mais nada, uma “mudança cultural”. O procurador defende uma ampla divulgação, por meio de campanhas, de formas de solução de conflitos sem utilização da violência.

    Para o especialista, a violência contra a criança e o adolescente ainda é tolerada na nossa sociedade que acha, por exemplo, que os pais têm direito de “educar” os filhos como quiserem. “Precisamos introjetar o repúdio a essas práticas violentas e abusivas com campanhas que revelem a falta de humanidade, civilidade e cultura de quem agride ou abusa de crianças ou adolescentes”, sugere.

    Ele também acredita que é preciso que haja medidas de maior repressão aos homicídios cometidos contra crianças e adolescentes para desestimular a prática desse tipo de crime. “Hoje, a pena é de 12 a 30 anos se cometido contra menor de 14 anos”, diz ele, acrescentando que isso foi incluído recentemente pela Lei nº 14.344, de 2022, conhecida como Lei Henry Borel, em homenagem ao menino de 4 anos morto em 2021 por hemorragia interna após espancamentos no apartamento em que morava com a mãe e o padrasto, no Rio de Janeiro.

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    “Acho que o fato de o crime ser cometido contra crianças e adolescentes de qualquer idade também deveria ser motivo de um aumento ainda maior da pena, como é nos casos de vítimas com deficiência ou nos casos em que é cometido por pai, mãe, madrasta ou padrasto, por exemplo”, afirma. Ele defende que os homicídios contra crianças e adolescentes em geral (não apenas contra menor de 14 anos) sejam considerados como crimes hediondos, impedindo, inclusive, benefício de progressão de pena.

    VIOLÊNCIA SEXUAL

    “Apesar dos dados de mortes indicarem prevalência de vítimas do sexo masculino, isso não significa que as crianças e os adolescentes do sexo feminino estejam protegidas no país”, alerta o relatório. Além de também serem vítimas de morte violenta (1,4 por dia), as meninas são a esmagadora maioria de vítimas de violência sexual (87,3% do total de vítimas).

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    Entre 2021 e 2023, 164.199 meninos e meninas foram vítimas de estupro. Quase metade deles (48,3%) tem entre 10 e 14 anos (o que é considerado estupro de vulnerável) e a maioria (52,8%) é negro.

    Para enfrentar essa triste realidade, o procurador sugere incrementar a atuação dos Conselhos Tutelares, com um maior número de conselhos por cidade, priorização do combate à violência sexual e melhor capacitação dos conselheiros.

    Como um dos autores do ECA, Garrido de Paula lembra que os Conselhos Tutelares foram criados como órgãos próximos da comunidade para atuarem como “guardiães” dos direitos das crianças e dos adolescentes e que cabe, por exemplo, às escolas notificar não apenas as violências contra crianças e adolescentes, mas também casos suspeitos.

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    Por isso, ele também cobra uma melhor capacitação do sistema educacional para trabalhar com essa temática, definindo inclusive fluxos e ações, e também uma melhor capacitação do sistema protetivo municipal.

    Concebido pelo Estatuto, o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) articula e integra várias instâncias do poder público na aplicação de mecanismos de promoção, defesa e controle da efetivação dos direitos da criança e do adolescente, em todos os níveis. Com uma atuação em rede, o SGD previu a criação de órgãos especializados em crimes contra crianças e adolescentes, como varas e delegacias.

    Em 2021, no entanto, o Brasil contava com apenas 110 delegacias especializadas. Para Garrido de Paula, esse sistema precisa ser fortalecido com urgência. Entre as suas sugestões também estão a criação dessas delegacias nas cidades acima de 100 mil habitantes e a especialização de polícias militares para o trabalho com esse tema.

    O procurador defende ainda que o Conselho Nacional do Ministério Público determine que sejam convocadas semestralmente reuniões dos promotores de Justiça da Infância e Juventude com todos os atores do SGD envolvidos para verificação da situação em cada uma das localidades e acerto de ações conjuntas. “Isso tem que ser tratado como um tema nacional. É uma situação de calamidade pública”, desabafa Paulo Afonso Garrido de Paula.

    Em carta aberta a candidatos e candidatas dessas eleições municipais, o Unicef pediu a priorização de crianças e adolescentes na elaboração dos planos de governo. Entre as cinco prioridades listadas pela organização está a proteção contra todas as violências, com investimentos em ações concretas e multisetoriais para prevenir, identificar, encaminhar e acompanhar casos de violência – em suas diferentes manifestações – contra meninos e meninas. Como eleitor, cada um de nós também pode fazer a sua parte cobrando iniciativas nesse sentido.

    * Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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