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Augusto Nunes

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Valentina de Botas: O mal-estar e a revolta do Brasil decente vêm sobretudo da covardia da súcia liberticida

Que mal-estar é esse? “I have a dream… but I don’t want to talk about it”. Se Martin Luther King tivesse acordado naquele 28 de agosto de 1963, olhado para a mulher Coretta Scott e dito essa variante da abertura de um dos belos e famosos discursos não teria feito história. Também não deve ter […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 01h56 - Publicado em 9 mar 2015, 18h44

Que mal-estar é esse? “I have a dream… but I don’t want to talk about it”. Se Martin Luther King tivesse acordado naquele 28 de agosto de 1963, olhado para a mulher Coretta Scott e dito essa variante da abertura de um dos belos e famosos discursos não teria feito história. Também não deve ter dito que iria até o Lincoln Memorial fazer um pouco de história e “volto já, já, querida”. Ou seja, será que uma figura histórica sabe quando está prestes a sê-lo? Ou a centelha surge pequenina e amorfa num silêncio germinal até fundar o sonho na alma?

Não sei. Mas MLK não teria enxergado a árvore na semente sem a revolta esperançosa e o mal-estar que, semelhantes à torneira que pinga esburacando o silêncio da longa noite, gotejam na alma a urgência da ação. A cada ação, o cotidiano pouco mudara, mas e daí? MLK sabia da lição de Lincoln: a melhor coisa do futuro é que ele chega um dia de cada vez. O mal-estar e a revolta do Brasil decente não vêm apenas da liberdade de José Genoíno ou da extinção da pena pelo mensalão. Mas sobretudo da covardia da súcia. Talvez Genoino pretendesse fazer história em 17 de fevereiro de 2003, quando assinou o empréstimo fraudulento na trama contra a democracia.

Não era a primeira vez que a golpeava, o histórico dele remonta à luta armada para substituir ditaduras, fingindo não haver alternativa para a restauração da democracia quando todo mundo sabe o que todo mundo sabe: a guerrilha estava decidia antes do execrável AI-5. Ademais, a democracia foi cerzida por democratas no cotidiano da resistência pacífica constante, não por guerrilheiros liberticidas. No Roda Viva de 4 de julho de 2005, inflamou-se dizendo que responderia pelas consequências do empréstimo fraudulento. Claro: o STF se infectava, o jeca assediava Gilmar Mendes e Thomaz Bastos erigia a camuflagem vigarista do caixa-dois. Os revolucionários farsantes revelavam a fibra que não têm debochando da lei e operando já o petrolão.

Gente assim não faz história, antes a falseia; vê-se acima dos instrumentos do estado de direito democrático, desidratando-os para se proteger das próprias canalhices enquanto subordina a elas uma nação inteira. Jamais fará uma revolução, coisa que exige caráter e colhões, sobretudo para assumir consequências. Por isso, é capaz de tudo na covardia que a constitui: ataca quem não usaria os mesmos meios abjetos. “Chegou o momento de sarar as feridas. Chegou o momento de transpor os abismos que nos dividem. Chegou o momento de construir”. Mandela entoou o cântico à civilização no discurso de posse como presidente da África do Sul, celebrando a união do país, renunciando com a naturalidade dos verdadeiros estadistas à vingança que satisfaz almas miúdas.

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“Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão. Se todos quisermos, dizia-nos há quase duzentos anos Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste país uma grande nação”. A exortação de Tancredo ao melhor da natureza dos brasileiros depois de eleito presidente, em 15 de janeiro de 1985, é a homenagem, ao país, do homem de argúcia sóbria e de solidez moral que elevava o fazer político.  MLK, Mandela e Tancredo lutaram por nações civilizadas cada um a seu modo e do mesmo modo limpo e constante que dignifica o sonho.

Morreram antes de ver o que previram, realizando a imperfeição das lutas perfeitas apenas, e isso é quase tudo, na honestidade delas. Estão mortos e eu mesma, felizmente, não me sinto muito bem, num mal-estar sintoma de que estou intensamente viva e atenta à torneira, à sucessão de 12 anos de covardias a lamber a cara da nação decente. Desde o jeca açulando um exército de patifes contra a nação que resiste a ele, até o resto da súcia capaz de tudo, exceto jogar limpo; passando pela conivência dos que deveriam combatê-los, seja a oposição que só agora ouve a torneira, seja um janot desprezando o convite da história. Esse mal-estar me fará marchar no dia 15. Nem sei se é o futuro, talvez seja apenas pela substância que o impregna: o sonho.

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