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Augusto Nunes

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Soberania popular – o fenômeno Tiririca

TEXTO PUBLICADO NO ESTADAO DESTA SEXTA-FEIRA Almir Pazzianotto Pinto* “Nação de analfabetos, governo de analfabetos” Rui Barbosa O primeiro turno das eleições deste ano deu sequência à construção do arcabouço democrático, que não se materializa apenas na eloquência da Constituição da República. Mais de 130 milhões compareceram às urnas para exercerem o direito de escolha […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 13h56 - Publicado em 15 out 2010, 14h27
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  • TEXTO PUBLICADO NO ESTADAO DESTA SEXTA-FEIRA

    Tiririca2

    Almir Pazzianotto Pinto*

    “Nação de analfabetos, governo de analfabetos”
    Rui Barbosa

    O primeiro turno das eleições deste ano deu sequência à construção do arcabouço democrático, que não se materializa apenas na eloquência da Constituição da República. Mais de 130 milhões compareceram às urnas para exercerem o direito de escolha entre os candidatos. As ocorrências policiais estiveram dentro de limites razoáveis, indicando que compra aberta de votos, brutalidade e intolerância estão em via de pertencer ao passado, graças, sobretudo, à vigilância da Justiça.

    A Lei Maior prescreve, no artigo 14, que a “soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e nos termos da lei…” São eleitores obrigatórios, conforme o dispositivo seguinte, os maiores de 18 anos e facultativos os analfabetos, as pessoas acima de 70 anos e de 16 até completarem os 18. O dispositivo encerra regra áurea do Estado democrático, que se assenta na autoridade suprema do povo para designar aqueles que, no Executivo e no Legislativo, tomarão decisões em seu nome.

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    Duas questões controvertidas permanecem em pauta: o debate judicial sobre os chamados fichas-sujas e o caso do humorista Tiririca. Aqueles que têm vida pública manchada por condenação criminal, mas se viram reprovados pelos eleitores, deixaram de ser problema. Quanto aos eleitos, há que aguardar o julgamento do Supremo Tribunal Federal. Espera-se que o Supremo decida logo, e em benefício da ética, com o expurgo de candidatos cujo passado está comprometido por delitos contra o erário ou abuso de poder econômico. É vício antigo a compra e venda de votos. Não bastassem os demagogos e populistas, temos a desgraça de sofrer com os corruptos, que se elegem para transformar os Poderes Executivo e Legislativo em casas de comércio – ou, para ser mais exato, em antros de prostituição.

    Nesse cenário, o caso Tiririca mostra-se irrelevante. Afinal, o capital político representado por 1.353.331 votos não pode ser subestimado, ou subtraído, sem grave injúria à soberania popular, tal como se encontra garantida no artigo 14. A prerrogativa da escolha, entre nomes listados pelos partidos políticos, deve permanecer acima de secundária questão ligada à alfabetização de representante da última das camadas sociais.

    Ademais, não lhe bastasse a caudalosa votação, em nome da isonomia de tratamento, vereadores, prefeitos, deputados estaduais, deputados federais, senadores e suplentes, governadores e vices e presidente da República deveriam ser submetidos a prova semelhante àquela que se pretende impor ao cidadão Francisco Everardo Oliveira Silva. Desconfiou-se de que ele talvez não saiba ler e escrever corretamente, mas só depois de concluída a apuração.

    Alguém duvida de que numerosos políticos espalhados por 5.564 municípios, 27 Assembleias Legislativas, Câmara Distrital de Brasília, Câmara dos Deputados e Senado sejam analfabetos, semianalfabetos ou, o que me parece mais grave, venais e corruptos?

    Nas remotas localidades do interior exige-se o bacharelado para representação da comunidade? Os Tiriricas são fruto da desigualdade econômica, da falência do sistema de educação e do baixo nível de determinados programas de televisão. Como existem, e em considerável número, creio ser justo que alguns integrem o Congresso Nacional, para darem testemunho juramentado da crise que assola o Legislativo e do fracasso da Lei Eleitoral, vulnerável às manobras de partidos inescrupulosos que se valem de baixos expedientes para a conquista de votos que lhes garantam cadeiras no Parlamento. Afinal, indago, se o caso Tiririca desperta tanto interesse, o que dizer dos suplentes em exercício no Senado, sem haverem recebido um único e solitário voto?

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    O artigo 17 da Constituição, desacompanhado da cláusula de barreira, estimula a criação de minúsculas legendas que tentarão sobreviver à custa de candidatos iletrados, mas capazes de atrair a atenção das massas.

    A enganosa propaganda eleitoral gratuita demonstrou que Tiririca não é caso único de abestalhado, ou abestado. Como em eleições anteriores, apresentaram-se candidatos e candidatas de todos os tipos e gostos. Desde os reconhecidamente sérios até os confessadamente avacalhados. As mensagens divulgadas pela televisão e pelo rádio atropelavam-se, mais para confundir do que para esclarecer. Partidos de direita e centro-esquerda tentavam seduzir com promessas idênticas. As legendas extremistas imaginavam que angariariam votos propondo o fim da democracia, a extinção da propriedade privada, a eliminação da classe empresarial e a implantação da ditadura. Foram fragorosamente derrotadas.

    A cada eleição, nova lição. Ensinou este pleito que a legislação eleitoral é indispensável, mas não suficiente. O exercício da soberania popular por meio do sufrágio universal, e pelo voto direto e secreto, de igual valor para todos, como está na Lei Constitucional, exige que o eleitorado tenha consciência da responsabilidade que sobre ele recai na designação daqueles que vão decidir em matérias de relevante interesse para a Nação.

    A partir da semana passada teve início nova eleição. De José Serra, que milagrosamente foi beneficiado com a derradeira chance de se eleger presidente, espera-se definição convincente de projeto de governo. De Dilma Rousseff, a demonstração de que não é teleguiada ou terceirizada, mas está apta a caminhar com as próprias pernas. Ao povo, no exercício da soberania política, cabe a responsabilidade da melhor escolha, pois, afinal, nova oportunidade só dentro de quatro anos.

    * Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho TST)

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