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Pedro Malan: ‘Heranças e futuros: modos de usar’

A tentativa de fazer o diabo para ganhar as eleições a qualquer custo agravou ainda mais o quadro de descalabro fiscal

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h31 - Publicado em 13 jun 2016, 10h14
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  • Publicado no Estadão

    Em discurso para a militância, na presença de Dilma, durante a campanha eleitoral de 2014, Lula disse que já se imaginava, em 2022, nas comemorações de nossos 200 anos de Independência, defendendo, com Dilma, tudo o que haviam conquistado “nos últimos 20 anos”. Assim abri artigo neste espaço (14/12/2014), que continuava: “É perfeitamente legítimo a qualquer pessoa expressar de público suas ‘memórias do futuro’, para usar a bela expressão de Borges para caracterizar desejos, expectativas, sonhos e planos – quer se realizem, quer não”.

    No caso, a probabilidade de realização do sonho certamente diminuiu, e não apenas pelo ocorrido desde as eleições de 2014. Mas pela crescente percepção pela opinião pública de que as crises econômica e política em que o país está enredado têm raízes mais profundas em nosso passado – e também em desacertos na condução da economia iniciados em 2006 e gradualmente ampliados ao longo destes últimos anos, culminando na inédita recessão em que estamos desde abril/maio de 2014.

    Notei no artigo anterior que antes de chegar às eleições de 2022 haveria, óbvio, que passar por 2018. E que não seria fácil explicar, então, as conquistas dos “últimos 16 anos”, como se fossem um coerente e singular período passível de ser entendido como um todo, como a marquetagem política tentou na eleição de 2014, com o discurso dos “últimos 12 anos”. Por quê? “Porque Lula 1 foi diferente de Lula 2; Dilma 1, diferente de Lula 2; e Dilma 2 será diferente de Dilma 1 – e o mais difícil dos quatro quadriênios. Quem viver verá. Ou já está vendo”, escrevi em dezembro de 2014.

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    Mas muito antes disso já tinha notado que a política econômica de Dilma 1 trazia seu prazo de validade (outubro de 2014) estampado no rótulo e que teria de ser mudada – qualquer que fosse o resultado das urnas. A tentativa de fazer o diabo para ganhar as eleições a qualquer custo agravou ainda mais o quadro de descalabro fiscal que constitui, entre outros, herança terrível para qualquer governo.

    Este artigo está sendo publicado antes de o governo interino de Michel Temer completar seu primeiro mês. Os governos do PT, sob Lula e Dilma, haviam completado 13 anos, 4 meses e 12 dias por ocasião do afastamento da presidente. Há exatos 13 anos tenho o privilégio de escrever neste espaço tratando de interações entre economia e política no período. Peço licença ao leitor para resumir ao extremo aspectos do processo por meio do qual chegamos à situação atual antes de um breve comentário sobre os primeiros dias do governo interino de Temer – na área econômica.

    Lula 1 beneficiou-se, e muito, como é ou deveria ser sabido, de uma combinação positiva de três ordens de fatores: uma situação internacional extraordinariamente favorável; uma política macroeconômica não petista seguida por Palocci e Meirelles; e uma herança não maldita de mudanças estruturais e avanços institucionais alcançados na vigência de administrações anteriores – inclusive de programas na área social que foram mantidos, reagrupados e ampliados. Lula 1 começou a terminar em março de 2006, quando saíram do governo, além de Palocci, Murilo Portugal, Joaquim Levy e o secretário Marcos Lisboa, entre muitos outros.

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    Lula 2 assumiu com nova equipe e com decisão já tomada de aumentar o papel do Estado e de suas empresas e bancos no desenvolvimento do país. O PAC, anunciado com pompa no início de 2007, e suas sucessivas e cada vez mais ambiciosas versões foram, em parte, a expressão desta nova postura: uma política expansionista de natureza pró-cíclica. A crise internacional, agravada após setembro de 2008, forneceu um grande álibi para ampliação da política expansionista, agora transfigurada numa respeitável, porque keynesiana, política anticíclica. E que, ainda ampliada em 2009 com a euforia do pré-sal, levou aos insustentáveis 7,5% de crescimento em 2010. Só possível porque tivemos (efeito China) outro extraordinário surto de melhora nos termos de troca.

    Dilma 1 começou 2011 tendo de lidar com consequências do superaquecimento. Até meados do ano foi feito um esforço de conter o expansionismo excessivo (algo que, até hoje, muito do fogo amigo dos seus considera um equívoco). A “nova matriz”, as indefinições e idas e vindas da política de concessões ao setor privado em infraestrutura, os quase cinco anos perdidos pela ausência de licitações para exploração do petróleo, os vários tipos de ônus impostos à Petrobras, a desastrada mudança no setor de energia elétrica ao final de 2012 e suas consequências e a degradação das contas públicas impuseram pesadíssima herança que Dilma 1 deixou para Dilma 2 – e para o governo interino de Temer.

    Mas situações muito difíceis não implicam a inexistência de opções. E as primeiras são por escolher pessoas adequadas para postos-chave. Na área econômica, e nos seus primeiros dias, Temer (e Meirelles) acertaram em cheio nas escolhas de Ilan Goldfajn para o Banco Central, de Pedro Parente para a Petrobras, de Maria Silvia Bastos Marques para o BNDES e de Eduardo Guardia para a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, entre outros. Todos têm experiência, profissionalismo, capacidade técnica, maturidade e visão realista dos problemas a enfrentar na economia, para começar a recuperar a credibilidade perdida nas áreas da gestão macroeconômica e setorial que hoje tolhem a retomada do crescimento.

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    Todos sabem que, em última análise, nas arenas do Legislativo e do Judiciário decisões-chave terão de ser tomadas, mas que o Executivo tem de formular sua agenda. E que gente boa é capaz de atrair e reter gente boa, de dentro e de fora do setor público. Em ambos, há muitas pessoas competentes em condições de e com vontade de servir ao país, e não de ocupar espaço na máquina pública para a aparelhagem política em benefício próprio e/ou de partido no poder.

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