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Augusto Nunes

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País sequestrado por um condenado preso

Quem cai na história de que político nenhum presta, acaba escolhendo um entre tantos condenados que no passado mais recente lhes “encheram o bucho”

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 20h26 - Publicado em 13 jun 2018, 20h37
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  • José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)

    Os resultados da última pesquisa Datafolha, publicada domingo pela Folha de S.Paulo, não podem ser considerados definitivos para prenunciar a apuração da eleição de daqui a quatro meses porque representam um retrato atual, como sempre, nunca uma profecia exata. E também porque revelam agora uma decisão que muitos cidadãos ainda estão por tomar. Configuram, contudo, e ao que parece de forma cristalizada, tendências que dificilmente mudarão, pois refletem uma situação antiga, crônica, lógica e irrefutável.

    Os 30% de preferência pelo soit-disant presidenciável do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, impressionam por dois motivos. Antes de tudo, porque ele foi condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, a 12 anos e 1 mês por corrupção e lavagem de dinheiro. E é inelegível. Em segundo lugar, por cumprir pena em Curitiba e, portanto, não ser disponível para participar de comícios, carreatas e até, conforme presume quem tem bom senso, gravar pronunciamentos para a propaganda nada gratuita no rádio e na televisão. O comportamento inusitado da Justiça, permitindo-lhe um dia a dia não vivido por outro preso comum ─ e ele é apenas mais um ─, pode pôr em questão a segunda afirmativa. Mas, por enquanto, prever a continuação dessa anomalia, vencidos os prazos legais para o registro de candidaturas, não é realista.

    A fidelidade de quase um terço do eleitorado brasileiro ao carisma do mais popular líder político e mais famoso presidiário do País, a esta altura do campeonato, confirma uma evidência e nega uma lenda urbana. O primeiro lugar no ranking atesta que a emoção é decisiva no ato de digitar o número do pretendente na máquina de votar. E o petista é, disparado, o único dos que se apresentaram à liça a despertar a paixão do cidadão, seja por afeto, seja por repulsa. Mas também, por paradoxal que pareça, o voto em quaisquer nível social e escolaridade é decidido pelo estômago e pelo bolso.

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    “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo, perdeste o senso”, resmungará o leitor aflito, citando o repetido verso de Olavo Bilac. Afinal, além de condenado, Lula responde na Justiça a mais seis processos criminais, que, juntos, o desmascaram na chefia de uma organização criminosa que levou a Petrobras à falência, quebrou as contas públicas, esfolou a economia a ponto de gerar 24 milhões de desempregados e desiludidos, conforme o confiável IBGE, e indicou os dois presidentes mais desastrados e, por isso mesmo, mais impopulares da História: a companheira petista Dilma Rousseff e o cúmplice Michel Temer, do PMDB. Sem Temer, Dilma não teria sido eleita. Sem os votos do PT, Temer não seria presidente.

    É aí que entra neste raciocínio a negação de que o brasileiro não tem memória, uma lenda antiga e frágil. Os apressadinhos, que, conforme ensinava vovó, comem cru ou sapecado, arguirão que, ao desprezarem os dados da realidade que fazem de Lula um réprobo, e não os quindins de iaiá, os brasileiros que vegetam abaixo da linha da pobreza não têm memória mesmo e ponto final. Alto lá! História é uma coisa, memória é outra. A História é objetiva, relata fatos indesmentíveis, questiona mitos aparentemente indestrutíveis. A memória é subjetiva. Cada um tem a sua. A lembrança dos fatos ao redor é sempre imprecisa e traiçoeira. A recordação dos benefícios pessoais é permanente. Os que asseguram que votarão em Lula têm a memória gostosa dos tempos de ouro do crédito fácil e do acesso à proteína barata sobre a mesa da família.

    A História revela que a inflação acabou, o poder de compra da moeda permitiu o acesso das famílias pobres ao consumo inatingível, por obra e graça do Plano Real, do câmbio flutuante e da Lei de Responsabilidade Fiscal, sob a égide do tucano Fernando Henrique. Mas a memória ressuscita o crédito farto e fácil e é isso que segura Lula no topo das pesquisas.

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    Detratores de institutos de opinião poderão até constatar que os índices recentes não se confirmarão. Mas dificilmente as tendências serão desmentidas. A principal delas é a novidade que ameaça surgir do panorama visto da pinguela sobre a fossa: a disseminação generalizada de que político nenhum presta mesmo e, então, o melhor é escolher um entre tantos condenados que no passado mais recente lhes “encheram o bucho”, como se diz em meu Nordeste de origem, região tida como baluarte lulista. Sabe o “rouba, mas faz”? Pois…

    Em 2013, a população foi à rua protestar contra tudo e no ano seguinte reelegeu Dilma e Temer, dois precipícios para a tragédia. Em 2016 o eleitor surrou o PT porque a Lava Jato levou o partido aos tribunais e às prisões. Presos em Curitiba estão todos os chefões petistas: o próprio Lula, Zé Dirceu e Palocci. E, pior de tudo, três ex-tesoureiros ─ Delúbio, Vaccari e Paulo Ferreira ─ tiveram o mesmo destino. Há quem lembre diante desse fato que a organização criminosa, vulgo quadrilha, se afigura na forma da lei com a reunião de mais de quatro membros. Ou seja…

    Em 2014 o PSDB fez de Aécio Neves a esperança anti-PT para pelo menos metade da sociedade, que não cai na lábia do profeta de Vila Euclides. O neto de Tancredo Neves, ilusão da Nova República abatida pela septicemia, contudo, protagonizou a maior frustração política da nossa História. Denunciado por um suspeito de ter enriquecido pelo compadrio de Lula e asseclas, gravado anunciando a morte do primo, caso este o delatasse, o mineiro poderia ter passado em branco pela inutilidade que protagonizou em seu mandato de senador pelo Estado mais habilidoso do Brasil. Mas fez muito pior, ao mostrar que seu adversário-mor comprou até a oposição fajuta em que ele mandava.

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    Lula nem precisará candidatar-se para encarnar o paradoxo deste país surreal, que mantém sob sequestro em sua cela de preso comum: beneficia-se por ter escolhido sucessores que quebraram o Brasil e pagou à oposição para anulá-la.

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