Guilherme Fiúza (publicado na Gazeta do Povo)
Pegaram Sergio Moro. Ele foi flagrado sentenciando o ladrão mais querido do país — e isso não se faz. O pessoal da mídia transformista — a militância fantasiada de jornalismo — não gostou do que o principal juiz da Lava Jato falava em privado durante o processo que condenou o bom ladrão. Jean Wyllys (por acaso amigo dos arapongas em questão) já tinha reclamado que a voz de Moro é fina. Agora veio a queixa sobre os modos para se referir ao ladrão amigo.
Ok, cada um na sua — e se a sua é a militância delinquente com maquiagem de jornalismo investigativo, você tem mesmo que caçar quem defende a lei. Ainda assim, se coloque no lugar de Sergio Moro por um instante.
Ele estava liderando a força tarefa que capturou a quadrilha mais simpática e voraz da história. Já tem gente até dizendo que ele não poderia ter liderado Lava Jato nenhuma, que tinha que ficar lá no gabinete dele canetando os processos e ponto. Normal: no mundo encantado dos legalistas de almanaque, a justiça se faz praticamente com uma varinha de condão. O juiz é um burocrata que não precisa nem lavar as mãos no fim do expediente, tal o seu isolamento virtuoso.
Voltando ao mundo real e sua desobediência aos almanaques, Moro tinha entendido que o filho do Brasil — uma figura a caminho da canonização em vida — aproveitara sua santificação na Terra para se associar a santidades menos conhecidas que ele, mas igualmente puras — que viviam no altar das empreiteiras. Tudo em nome da amizade e da camaradagem, num clima tão fraterno e altruísta que ali a gula nem era pecado. Sendo assim, saíram devorando tudo (sem culpa).
Os legalistas sabem admirar um bom drible marginal nas instituições
Sergio Moro foi o estraga prazeres que apareceu para atrapalhar essa história bonita. O final terrível de tudo isso — se é que se pode falar em final — foi a condenação e prisão inédita no país de empreiteiros bilionários que só queriam fazer o bem, junto com ídolos do PT que tomaram o dinheiro do povo só para impedir que ele gastasse tudo com cachaça.
Agora imagine a cena: Moro decreta a prisão de Lula e ele simplesmente não obedece. Se tranca num sindicato cercado de fiéis transtornados esbofeteando jornalistas e dizendo que o grande líder só sairia dali sobre seus cadáveres. A companheira Gleisi já tinha avisado que ia morrer gente se ousassem tentar prender Lula.
Vários desses intelectuais de almanaque — os que dizem que juiz bom é juiz de gabinete — ali já diziam que Moro tinha dado vexame: sua sentença precipitada e inócua iria para a lata de lixo da história.
Os legalistas sabem admirar um bom drible marginal nas instituições.
Além deles, na torcida — e na fé — pelo baile de Lula na Justiça e na lei, estavam celebridades, famosas entidades de classe, parte da imprensa internacional, instituições multilaterais de direitos humanos (sic), etc. E Moro jogando xadrez com essa tsunami “progressista” em sentido contrário, fora os insultos de quem estava a favor dele mas já o chamava de arregão nas redes sociais. “Manda a polícia logo!” “Morreu na praia!” etc.
Ao contrário do que fingem querer os legalistas de almanaque, nesse momento Sergio Moro não estava sozinho em seu gabinete esperando a justiça se fazer pela providência divina. Certamente estava conversando não só com procuradores, mas com delegados, agentes, desembargadores e outros. Estava fazendo o que não estava em nenhum script e contrariava todos os convites das circunstâncias: evitar um banho de sangue e desmontar um teatro que salvaria um criminoso.
Se os arapongas fantasiados de jornalistas capturarem alguma mensagem telefônica desse famoso 7 de abril de 2018, informarão, depois daquela edição caprichada, que Moro estava combinando com seus comparsas como capturar um inocente perseguido por ele.
Como diria Cazuza: transformam um país inteiro num puteiro pra ganhar mais dinheiro — e (complementamos) querem que o xerife seja a virgem.