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O serviço de informações da Marinha carimbou como ‘altamente confiável’ um relatório forjado por Figueiredo

Capítulo 3 O ROLEX DE OURO E O CAVALO AMIR O garçon com a bandeja de bebidas chega junto com o ponto final da frase em que João Figueiredo enfiou no mesmo balaio todos os jornalistas e todos os picaretas. Capturo a terceira taça de vinho (branco, alemão, não é dos que mais aprecio mas vai assim mesmo), tomo o gole que encoraja […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 17h28 - Publicado em 10 jun 2009, 21h22
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  • Figueiredo

    Capítulo 3

    O ROLEX DE OURO E O CAVALO AMIR

    O garçon com a bandeja de bebidas chega junto com o ponto final da frase em que João Figueiredo enfiou no mesmo balaio todos os jornalistas e todos os picaretas. Capturo a terceira taça de vinho (branco, alemão, não é dos que mais aprecio mas vai assim mesmo), tomo o gole que encoraja e pergunto se alguém ali conhece a história do almoço entre o general-presidente Artur da Costa e Silva e a Condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil. O silêncio coletivo responde que não.

    Capricho na pose de quem se reunia diariamente com a condessa que nunca vi e conto o episódio. Costa e Silva foi almoçar na sede do JB para queixar-se de  publicação de textos ou imagens que não deixavam o governo bem no retrato. Concluída a chiadeira, a anfitriã ponderou que o jornal só publicava críticas construtivas. “Mas eu não quero críticas construtivas”, encerrou o assunto o visitante. “O que eu quero é elogio”. Fim do caso.

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    Figueiredo faz de conta que não pegou o espírito da coisa. A platéia se divide: uns fingem que não ouviram direito, outros fingem que não  prestaram atenção. Só Carlos Maranhão e eu estamos sorrindo ─ educadamente, como o homenageado da noite acha que é de praxe na comunidade dos picaretas e jornalistas. Jogo empatado, cumprimento-me.

    Ele vai buscar o desempate percorrendo uma curva que tem o quilômetro zero na sucursal carioca do Serviço Nacional de Informação e desemboca na frente da guerra contra a imprensa.

    ─ Quase todo mundo no Brasil age com leviandade, até o SNI ─ começa o general da cavalaria com a surpreendentemente desabonadora menção à sigla que chefiou durante os cinco anos do governo Ernesto Geisel.

    O que deu na cabeça dele?, fico intrigado.

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    ─ Em 1964, forjei um informe sobre o Carlos Lacerda, que era governador da Guanabara, só para ver o  que dava ─ ele logo se explica. ─ Deixei o papel em cima da mesa e esperei. Não demorou uma semana para que o serviço de informações da Marinha mandasse para a gente o mesmo informe. Nem mudaram meu estilo, só acrescentaram meia dúzia de bobagens. Embarcaram no que eu tinha inventado. Outros também embarcaram e aquela invenção acabou ganhando o carimbo de altamente confiável. Como é que pode?

    A frase seguinte avisa que a curva terminou:

    ─ Se no SNI é assim, não quero nem pensar em como é na imprensa.

    Também não quero nem pensar em como foi a coisa no SNI.

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    Um superlativo “boa-noite” anuncia a chegada de Naji Nahas. Alto, corpulento, hasteado na porta da sala principal, o aventureiro que chegou do Líbano a bordo de 50 milhões de dólares só vai quebrar a Bolsa do Rio daqui a dois anos. Como ninguém sabe disso, a imprensa o qualifica de “megainvestidor”. Ele é um dos 25 convidados que se espalharão por cinco mesas redondas já arrumadas para o jantar na sala ao lado da piscina da mansão na Rua Zarabatana que ocupa todo o quarteirão ao lado do  latifúndio do Jockey Clube de São Paulo.

    A noite promete. Já estão lá figuras como o empresário Mathias Machline, o economista Affonso Celso Pastore, o deputado Erasmo Dias ou o ex-ministro Amaury Stabile. A chegada de Naji Nahas reforça a bancada árabe, formada até agora pelos deputados Wadih Helu e Ricardo Izar e pelo empresário Nacib Mofarrej. Estão a caminho outros patrícios amigos de Georges Gazale, empresário do setor de tecidos e, sobretudo, melhor amigo de Figueiredo.

    Carlos Maranhão vigia o avanço de Naji Nahas com cara de quem está procurando um esconderijo para a carteira. O risonho libanês passa pela imprensa sem escalas, estaciona diante do homenageado e, com a educação que para o ex-presidente identifica os picaretas e os jornalistas, aperta-lhe as mãos, aproxima a boca do ouvido de Figueiredo e murmura:

    ─ Tenho um presente para o senhor. Espero que goste de relógio.

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    Não é um relógio qualquer. É um Rolex. E de ouro. E o presenteado não estava em São Paulo para festejar o dia do aniversário, a léguas de distância no calendário, mas para uma maratona de exames médicos. Deve ter gostado muito da oferenda.

    Naji é um moço esforçado, mas ainda um amador nesse ramo, informa o olhar superior do profissionalíssimo Gazale, um campeão na arte de presentear. Foi com um presente que conquistara, oito anos antes, a confiança e o afeto do general arredio que Geisel elegera para conduzir a última etapa da era militar. Um presente tão bem escolhido que transformou em amigos de infância dois homens com mais de 60.

    ─ Como é mesmo o nome do cavalo que o senhor deu de presente ao Figueiredo? ─ pergunto.

    ─ Amir ─ diz Gazale. ─  Quer dizer “príncipe”, em árabe.

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    A voz de Figueiredo ecoa três metros atrás do anfitrião.

    ─ Nunca fiquei tão irritado como no dia em que invadiram a Granja do Torto para tirarem fotos das baias e dos cavalos ─ aparteia.

    Ele devia estar ouvindo a conversa.

    ─ Eu estava pensando em cavalos ─  ele corrige o que estou pensando.

    A três meses da posse, Figueiredo confessou numa entrevista que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo. A continuação da noite das arábias mostraria que, depois da passagem pela Presidência da República, ele trocaria o Palácio do Planalto por qualquer montaria.

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