Slogans resumem prioridades de campanhas políticas. São o “espírito do tempo” de uma determinada administração governamental. Cristalizam, com sua simplicidade e abrangência, a missão que protagonistas do poder se prestam a cumprir.
Na história republicana brasileira, a coleção de slogans exibe exemplos curiosos.
Tivemos, no governo Campos Salles, o lema “Nossa vocação é agrícola” – frase pronunciada pelo então ministro da Fazenda Joaquim Murtinho – em que muitos enxergam o prenúncio da república do “café-com-leite”.
Para Washington Luiz, nos anos 1920, “Governar é abrir estradas”. Getúlio, nos 1950, veio com “O Petróleo é nosso”.
Já na Nova República, José Sarney sugeria “Tudo pelo social”. Num chiste da época, atribuído ao sempre espirituoso Delfim Netto, brincava-se: “o elevador de serviço está quebrado; tudo pelo social”.
Mais recentemente, nos deparamos com o fantasioso lema do segundo e – breve – governo Dilma: “Brasil, Pátria Educadora”, pouco adequado a uma administração que, em seus primeiros nove meses, contabilizou três diferentes ministros da Educação.
Como sabemos, o governo Temer, ainda em sua interinidade, optou pelo lema inscrito no Pavilhão Nacional: “Ordem e Progresso”. Tal slogan é um eufemismo do que realmente a administração pós-Dilma têm à frente até 1o. de janeiro de 2019.
Em verdade, o lema desses próximos dois anos e meio deveria ser “Brasil, correção e terraplenagem”.
Mais do que construir o futuro, a missão da equipe de Temer é trazer o Brasil do passado para o presente.
É tarefa precípua “corrigir” a equivocada política das “campeãs nacionais”. Eleitoreiras subvenções a preços de gasolina e eletricidade. Anacrônica política industrial centrada no sacrossanto “conteúdo nacional”. Inchaço de cargos de confiança. Politização das agências reguladoras. Ineficiência e desestruturação de ícones como a Petrobras e o BNDES.
A lista de distorções a corrigir pode ser aumentada exponencialmente. Apenas nos domínios da política externa ou da estratégia comercial cabem inúmeros “cavalos-de-pau”.
Diz-se que destruir é fácil; construir, difícil. Bobagem. Desmantelar o acervo de incompetência na máquina do Estado nesses últimos treze anos é tarefa hercúlea.
Tanto mais ao observar que muitos dos protagonistas do governo Temer, no desfrute da aliança política que sustentou o período Lula-Dilma, foram complacentes ou coniventes com a deterioração da governança no Brasil.
O fato é que agora o Brasil conta com uma boa equipe na Fazenda e no Banco Central. Com uma forte e bem informada liderança na política externa, nas estatais e em seu principal banco de fomento, são boas as chances de que o Brasil “se corrigirá”.
Dispor de uma casa macroeconômica minimamente em ordem, no entanto, é algo mais relacionado ao “evitamento do pior” do que um grande diferencial de competitividade.
Daí a razão deste governo Temer ter forçosamente de buscar ao menos colocar a bola em jogo das reformas estruturais. Já passou da hora do Brasil levar a cabo uma harmonização de suas capacidades de competir internacionalmente.
É dizer, ao Brasil cabe nivelar – “terraplenar” – o campo para voltar a ser o país de alto crescimento que seu potencial lhe confere.
Se tergiversar nas reformas, o que agora aparece como enorme boa vontade dos mercados com Temer se diluirá mais rapidamente do que se pode imaginar.
Na dupla tarefa de corrigir e terraplenar, uma constatação salta aos olhos.
Curioso –e inegável– o resultado do nacional-desenvolvimentismo dos últimos treze anos. Como em tantos outros episódios de sua trajetória, o Brasil continua bastante vulnerável a humores internacionais.
E tal “neodependência” se manifesta em ao menos três frentes.
O setor industrial no Brasil está não apenas menor e menos competitivo, mas também mais desnacionalizado – fruto de um voraz processo de fusões & aquisições que se delicia com o baixo preço comparativo dos ativos empresariais brasileiros.
No âmbito comercial, o país necessita turbinar exportações para compensar um momento de particular desaquecimento do mercado interno. Vê-se forçado a perseguir o aumento da fatia que o comércio exterior ocupa em seu PIB num contexto em que o mundo não se encontra especialmente “aberto para negócios”.
O Brasil tem de buscar sua promoção comercial justamente no instante em que as negociações multilaterais andam de lado, blocos como a União Europeia e o Mercosul encontram-se em crise existencial e retórica e prática das principais potências assumem tons francamente protecionistas.
Já na frente de investimentos, a dependência se manifesta num tripla dimensão. Temos de atrair, goste-se ou não, liquidez de curto prazo via mercado financeiro para a sintonia quotidiana do ajustamento fiscal.
Carecemos do investimento estrangeiro direto (IED) dada a nossa baixa capacidade endógena de poupar e investir – pequena mesmo em comparação a outros países emergentes.
E, claro, precisamos de concessões, privatizações e financiamento externo de nossa infraestrutura, tanto mais num quadro estatal debilitado em sua função de investir.
Apesar da predileção por um modelo “autônomo” e “soberano” de crescimento e inserção internacional, não é exagero apontar que se legou ao Brasil de hoje a condição de um país bastante mais dependente do mundo.