No momento em que a Apple lança uma nova geração de iPhones, vem à mente um interessante paradoxo. Quando Steve Jobs, já com o câncer em estágio avançado, deixava suas funções de liderança na empresa, Tim Cook, seu sucessor, enviara e-mail a todos os funcionários: “estou confiante de que a Apple não vai mudar”. Frase melhor, no entanto, seria: “a Apple vai continuar mudando” — o mundo e a si própria.
A Apple incorporou intensamente o princípio de destruição criadora. Não esperou tendências de mercado para transmutar seu DNA. Sabedora da natureza caótica e resiliente das empresas intensivas em tecnologia, promoveu, em diferentes fases, sua reinvenção serial (serial reinvention).
Foi a empresa pioneira em compreender que o principal filão das tecnologia da informação não residia nos hipertrofiados computadores do tipo mainframe para aplicações governamentais ou corporativas. A verdadeira revolução estaria em levar o princípio de computação diretamente a cada indivíduo. Num primeiro momento, a cada lar, escola e empresa. Depois, na mobilidade desse nômade contemporâneo em que hoje todos nos transformamos.
Captou da mesma forma que o acesso ao mundo digital não poderia intermediar-se por um emaranhado de linguagens de uso e programação inteligíveis apenas a pequeno grupo de iniciados. A interface passou a ser táctil, ainda mais com tabletes e telas interativas. E crescentemente com voz (e agora reconhecimento facial) mediante inteligência artificial.
Quando os computadores pessoais tornaram-se produtos de massa, a Apple investiu pesadamente em design para fugir da mesmice. Desenhou algo no limite entre funcionalidade e estilo.
Do ponto de vista organizacional, a empresa segmentou-se em pequenas equipes funcionando como unidades de negócio, em vez das divisões mastodônticas e impessoais de outras gigantes do setor. Não há na Apple as tecnoestruturas descritas classicamente por John Kenneth Galbraith em seu livro “O Novo Estado Industrial”, publicado há 50 anos.
Apostou, ao contrário do que supunha Marshall Mcluhan, que o meio não era a mensagem. Desmaterializou a indústria da música com o iPod e o iTunes. Redefiniu a telefonia móvel e os computadores de mão com o iPhone.
Dividiu águas para a indústria de mídia jornalística, entretenimento e ensino com o iPad. Superou, assim, a clássica divisão entre hardware e software, implementando a noção de smartware.
Apostou no declínio da web e criou sua própria – e draconiana – força de vendas online, a App Store. Com isso, reconfigurou o comércio eletrônico.
Remeteu o conceito de “flaghship store” a uma nova dimensão antropológica. As lojas da Apple não são estabelecimentos comerciais. São templos de comunhão.
Seus consumidores, uma tribo pós-moderna – fiéis de uma religião tecno-secular. Seu minimalismo e aplicativos proprietários, cânones da fé. O Genius Bar da loja é um colégio de sacerdotes. O lançamento ritualizado de produtos, a anunciação. A inovação, a salvação.
A liderança da Apple não lhe trouxe conforto, mas inquietação. Reinvenção em série forneceu a força vital com que Jobs desafiou o câncer e conduziu a empresa ao Olimpo tecnológico.
Nos últimos anos, tais reinvenções são mais do tipo “adaptação criativa” do que a disruptiva “destruição criadora”. Os novos iPhones não redesenham o mapa do smartware, trata-se de uma inovação apenas incremental. Ainda assim, do alto de seus 1,3 bilhão de iPhones vendidos até hoje, a Apple, marca mais valiosa do mundo, é um bom exemplo da máxima dos que desejam manter a liderança na inovação: é em time que está ganhando que se mexe.