Publicado na coluna de Carlos Brickmann
Primeiro, Michel Temer errou ao dar conversa demais a um cavalheiro que sempre usou a política para abrir portas. Segundo, erramos nós, jornalistas, que demos crédito a uma transcrição de gravação que não era fiel à gravação, mas lhe atribuía um viés (inexistente) anti-Temer. Com a sucessão de erros, o país mergulhou numa crise em que não se vê saída.
E, já que falamos de quem errou, falemos também de quem acertou e lucrou com a crise. A gravação da conversa de Joesley Batista com Temer foi feita uma semana depois que a Operação Carne Fraca revelou que o império JBS era investigado. O império contra-atacou, armando a delação premiada. Ainda aproveitou para lucrar com isso: vendeu pouco mais de R$ 300 milhões em ações, sabendo que o preço desabaria com a confissão de irregularidades – na quinta-feira, 18, a queda foi de 9,68%. E comprou grande quantidade de dólares (algo como US$ 1 bilhão, segundo o jornal Valor Econômico). Com o presidente da República em xeque, o dólar subiria. Subiu 17% — ampliando o lucro da delação em US$ 170 milhões.
Como ensinou um intelectual de gênio, Millôr Fernandes, “desconfie de todo idealista que lucre com seu ideal”. Mas o lucro não parou por aí: com a delação premiada, Joesley Batista ganhou o direito de morar nos Estados Unidos, num excelente apartamento, sem tornozeleiras, sem nada. Multa? Foram R$ 250 milhões, menos que o lucro com a compra dos dólares. E só.
Mal comparando
Nas operações conduzidas por Curitiba, quem confessou seus crimes em delação premiada foi menos beneficiado. Marcelo Odebrecht, que acusou tanta gente, pegou dois anos e meio de prisão em regime fechado (que terminam no fim deste ano), e cumprirá o restante dos dez anos da pena em regime semiaberto e aberto. Joesley e seus principais executivos, morando nos EUA, simplesmente transferem o comando do grupo para lá.
Fernando Albrecht, ótimo colunista gaúcho, lembra que o primeiro delator premiado da História do Brasil foi Joaquim Silvério dos Reis, que entregou Tiradentes e demais companheiros de Inconfidência Mineira, recebeu em troca o perdão das dívidas com a Coroa. E ficou 11 anos e meio em regime fechado, na Ilha das Cobras, Rio.
Sobra para todos
O primeiro a ser atingido pela delação premiada da JBS foi Temer (que, entretanto, tem margem para se defender, já que na gravação não há nada explícito recomendando atos fora da lei); o mesmo tiro acertou Aécio Neves, que logo renunciou à presidência nacional do PSDB, e sua irmã Andréia Neves, que foi presa. Fala-se que é a maior das delações, superando a da Odebrecht, e atinge gente importante da maioria dos partidos. Pois é: citando de novo o ótimo Millôr Fernandes, “os corruptos são encontrados em várias partes do mundo, quase todas no Brasil”.
Onde está a saída? Ficar
Agora, que é que pode acontecer? Com o Governo, duas possibilidades: sai ou fica. Fica em uma de duas situações: ou convence boa parte do eleitorado de que as frases de Temer não tiveram o significado que lhes foi atribuído inicialmente e consegue arrostar a fúria da oposição, até hoje sedenta de vingança pela expulsão de Dilma, ou não é convincente, mas se mantém na base do “falta pouco tempo”, ou “neste Congresso em que há tantos suspeitos, quem elegerá o novo presidente”, tudo acompanhado de generosa oferta de cargos e privilégios. Nesse caso, será o que nos EUA chamam de “lame duck”, um pato manco, que preside mas não governa.
Onde está a saída? Cair
Temer pode se sentir fragilizado, ou ser abandonado por seus colegas de Governo, e renunciar. Mas há um problema: perde o foro privilegiado e exposto ao juiz Sérgio Moro. Ou o TSE pode cassar o registro da chapa Dilma-Temer, por abuso de poder econômico e político. Nos dois casos, como não há vice, o Congresso tem 30 dias para eleger indiretamente o substituto. Nesse prazo, assumiria o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; ou, em sua ausência, o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Ambos, porém, têm problemas no Supremo, e podem ser impedidos de assumir. Assumiria então a presidente do Supremo, Carmen Lúcia. Temer também pode sair por impeachment, mas isso levaria praticamente um ano: o eleito governaria por seis meses, ou pouco mais. A ideia da eleição direta é inviável: aprovar uma emenda à Constituição, realizar a campanha e finalmente colher os votos é muita coisa para o prazo disponível.
Todo lado!
Lembra do procurador da República Ângelo Goulart Vilela, que falou na Câmara sobre as virtudes das Dez Medidas Contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal? Foi preso no dia 18, por suspeita de passar a Joesley Batista, do JBS, informações a respeito da investigação sobre ele.