PUBLICADO EM 29 DE SETEMBRO
Na noite de 17 de agosto de 1987, Hebe Camargo continuava assustada ao topar com o grupo de entrevistadores à sua espera no estúdio da TV Cultura. E não me pareceu convincente o sorriso ─ sempre espontâneo e extraordinariamente cativante ─ que sublinhou as frases exclamadas enquanto cumprimentava os participantes do programa Roda Viva: “Nossa! Quanto intelectual! Só gente que escreve livro!”
“Estou morrendo de medo”, soprara-me quando fui buscá-la na sala da direção da Cultura. “Vocês vão me massacrar, vão me tratar como ignorante”. Respondi com um abraço apertado, um beijo estalado e dois lembretes: “Você não deve desculpas a ninguém. E é muito melhor que todos nós”. Era mesmo. Passados alguns minutos, a fundadora da TV brasileira estava à vontade no centro do cenário que simulava uma arena romana. A soberana da telinha transformava qualquer estúdio ou palco em seu reino
Durante quase duas horas, Hebe contou casos divertidos, recordou episódios dramáticos, disse exatamente o que pensava de coisas e pessoas, não fugiu de nenhuma pergunta, distribuiu afagos, pancadas e farpas, gargalhou, chorou ─ enfim, escancarou a alma e o coração sem temores nem cautelas. Foi um privilégio ter conduzido aquela entrevista. Mais de 25 anos depois, ainda me lembro de tudo. E fico especialmente comovido com a evocação de um momento mágico.
Voz embargada, lágrimas emergindo dos cantos dos olhos, resistindo bravamente ao assédio dos soluços, Hebe entregou-se a um desabafo que durou 14 minutos. Pelos critérios da televisão, é mais que uma eternidade. “Deixa ela falar!”, repetia pelo ponto eletrônico o diretor Roberto de Oliveira. Atendi à determinação com enorme prazer. E todos ouvimos calados o que foi o mais longo monólogo da história dos programas de entrevista. Talvez tenha sido o mais belo. Foi certamente o mais sincero e dolorido.
Quando o Roda Viva terminou, todos os presentes ao estúdio aplaudiram a entrevistada de pé. Isso nunca aconteceu nem vai acontecer de novo, sussurrei-lhe no abraço de despedida. Ela estava grávida de alívio, orgulho e felicidade. E então entendi que o brilho da estrela impedia que se enxergasse, por trás da risonha vencedora perdidamente apaixonada pela vida, a mulher machucada por humilhações que não cicatrizam.
Eu a conhecera um ano antes, na primeira de duas conversas que tivemos em seu programa. Não voltaria a encontrá-la tantas vezes quanto gostaria. Mas ambos soubemos naquela noite de agosto que nos tornáramos mais que amigos. Éramos cúmplices.