Ethan Edwards
Imagine as eleições como uma luta que, pelas regras, só pode ser vencida por pontos. Os jurados (os eleitores) veem a luta pela TV, ouvem-na pelo rádio, acompanham-na pela imprensa. É o único meio de que dispõem para anotar quem está vencendo. Se a TV não focaliza as mãos de um dos lutadores, se o rádio só comenta os golpes que ele recebe, se os jornais distorcem contra ele a estatística dos socos dados e recebidos, esse boxeador não tem meios de vencer essa luta.
É inútil Serra “bater” se o que ele diz não é publicado ou, quando publicado, sai num cantinho de página e em seguida desaparece do noticiário – enquanto sua adversária e, principalmente, o inventor desta permanece sob os holofotes o tempo todo, proferindo barbaridades que são registradas sem comentários, como se fossem verdades filosóficas eternas. O debate público, nas democracias modernas, é sempre mediado pela imprensa. Se esta não age com um mínimo de elevação, espírito de justiça, isenção, veiculando inclusive os pontos de vista que não lhe agradam, não há democracia – é simples assim. O que a imprensa brasileira fez nestas eleições – registradas as bravas, notórias e pouquíssimas exceções que todos aqui conhecem – foi um crime. Continuado. Repetido ao longo de meses. Parece que nossos jornalistas, intelectuais, “formadores de opinião” em geral, após se livrarem de toda a moral “burguesa” e “conservadora”, precisam agora dar um sentido às suas vidas colocando-as a serviço do que acreditam seja uma “causa” elevada (a “justiça social” ou outra ficção do tipo). E, para isso, que se danem o rigor, a verdade, a justiça pura e simples.
Li inúmeros comentários criticando a frouxidão do PSDB e de Serra, alguns, inclusive, escritos por gente há muito adversária do lulopetismo (como os artigos de Demétrio Magnoli e Denis Rosenfeld no Estadão). Acho-os injustos ou ingênuos. Não desconheço os limites ideológicos do PSDB e de Serra; já escrevi sobre eles aqui mesmo. O problema é que a imprensa brasileira reduziu em muito os limites que, por ideologia, o PSDB já tornara estreitos. Não esperávamos que Serra fosse lembrar os crimes cometidos por Dilma quando era guerrilheira. Mas o jornalismo transformou em crime falar até mesmo do presente da candidata, de sua óbvia incapacidade administrativa – para não falar na intelectual, cognitiva, psíquica, sei lá. Quando Dilma fala, os jornalistas humildemente transcrevem suas palavras (depois de fazerem um copidesque, claro!). Quando Serra ataca o governo, o PT ou Dilma, suas palavras aparecem entre aspas, sob um lead desfavorável, no meio de um texto já editado cheio de “supostos”, “presumidos” e verbos no futuro do pretérito. A imprensa brasileira, com as exceções conhecidas, colocou-se conscientemente a serviço de um projeto político (o lulopetismo), e, para defendê-lo, deformou brutalmente o ambiente político e subverteu as regras eleitorais, dando à candidata do governo todos os privilégios e condenando seu adversário a lutar com as mãos amarradas e em silêncio. Se dependesse da imensa maioria do jornalismo brasileiro, não haveria eleições em outubro: Dilma seria simplesmente ungida, numa cerimônia presidida por Lula, para que o projeto lulopetista de “fazer justiça social” não corresse o risco de ser interrompido.
Não vou me estender mais, nem discutir, por falta de (muito) espaço a tese de que é melhor perder fazendo oposição “mesmo” do que tentar ganhar “margeando” certas diferenças. Não vai dar. Mas insisto com os amigos para que leiam o artigo publicado ontem por Olavo de Carvalho, que versa exatamente sobre o papel da imprensa no Brasil atual. Irretocável.
https://www.olavodecarvalho.org/semana/100927dc.html