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Especial VEJA: Luiz Carlos Prestes, o conto das cabeças cortadas

Publicado na edição impressa de VEJA “A repetição dos prognósticos calamitosos se revelou uma especialidade de Prestes”, escreveu o historiador marxista Jacob Gorender, que sempre teve a grandeza de, sendo um dos mais refinados e respeitados intelectuais da esquerda, denunciar seus deslizes. Luiz Carlos Prestes foi mais Luiz Carlos Prestes do que nunca na crise […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 04h02 - Publicado em 16 abr 2014, 08h34
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    “A repetição dos prognósticos calamitosos se revelou uma especialidade de Prestes”, escreveu o historiador marxista Jacob Gorender, que sempre teve a grandeza de, sendo um dos mais refinados e respeitados intelectuais da esquerda, denunciar seus deslizes. Luiz Carlos Prestes foi mais Luiz Carlos Prestes do que nunca na crise que culminaria no golpe contra Jango. O Cavaleiro da Esperança da Coluna que levou o seu nome no início dos anos 20, o lendário secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro que apoiou o Estado Novo de Getúlio Vargas depois de ele ter deportado sua mulher, Olga Benário, para os nazistas, o calculista que em 1947 assegurara aos seus pares que o PCB não seria proibido (foi), o chefe do partido que se igualara à UDN na grita contra Getúlio, em 1954, começou 1964 esgrimindo sua especialidade e a levou até a véspera da derrubada do governo que apoiava.

    Prestes inaugurou o ano em Moscou. A Nikita Kruschev, num almoço em 7 de fevereiro, garantiu que havia comunistas até no comando das Forças Armadas brasileiras (não havia) e que o golpe era uma impossibilidade, dada a “tradição democrática do Exército, cuja oficialidade era recrutada entre a pequena burguesia mais pobre” (faltou combinar com os russos). Ao palestrar a membros do departamento de relações internacionais do Partido Comunista da União Soviética, cravou: “Se a reação levantar a cabeça, nós a cortaremos de imediato”. Ao voltar para o Brasil, repetiu pelo menos outras duas vezes a diatribe. Numa conferência na Associação Brasileira de Imprensa, em 27 de março, assegurou que não havia condições favoráveis a um golpe reacionário, mas, se este viesse, “os golpistas teriam as cabeças cortadas”. Disse o mesmo ─ “terão as cabeças cortadas” ─ a milhares de pessoas no Estádio do Pacaembu, em 29 de março. Foi calamitoso para os comunistas que o tinham como um guia infalível.

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    Não houve cabeças cortadas, e naquele mesmo 29 de março Prestes iniciaria a fuga para o exílio em Moscou, porque para um comunista brasileiro daquele tempo sempre havia Moscou. O relato é de Maria Prestes, no livro Meu Companheiro ─ 40 Anos ao Lado de Luiz Carlos Prestes: “Quando estourou o golpe militar, Prestes não estava mais morando conosco. Ele praticamente entrou para a clandestinidade no dia 29 de março, após uma grande festa realizada no Estádio do Pacaembu em comemoração aos 42 anos do PCB. (…) Ao chegarmos em casa, notamos que havia perto da nossa residência um automóvel parado para conserto. Desconfiamos. (…) De imediato o Velho voltou para o nosso veículo e se escondeu lá dentro. Não pudemos nem nos despedir. Só deu tempo de jogar no carro o pijama, o chinelo e a escova de dentes. Assim ele escapou do perigo de ser preso no dia 1º de abril”. Em 9 de abril, policiais do Dops entraram na casa de Prestes e Maria no bairro de Vila Mariana, em São Paulo. Apreenderam vinte cadernetas amarradas por espiral. Suas mais de 3 000 páginas continham nomes, datas, endereços e organogramas ligados ao PCB e simpatizantes entre 1961 e 1963, a narrativa completa do partido na clandestinidade. As cadernetas de Prestes provocaram um inquérito que indiciou 74 pessoas e, em 1966, 54 delas foram condenadas pela Justiça Militar. Sem a papelada, as condenações aconteceriam do mesmo modo, mas não demorou para que as anotações de Prestes fossem transformadas em troféu e provocação. O Jornal pôs em manchete: “Prestes fugiu abandonando a mulher grávida, sete filhos e o listão do PCB”.

    Maria ainda lamentaria, na autobiografia, o estrago provocado por um casaco de pele que recebera de presente ao desembarcar em Moscou. A peça foi levada junto com os escritos de Prestes. Escreveu Maria: “Ao abrirem o armário, eles depararam com o tal casaco presenteado pelos soviéticos. Esse fato gerou a notícia que ficou estampada nas páginas dos jornais. Para eles, era um verdadeiro escândalo a mulher de Luiz Carlos Prestes possuir um casaco daquele porte: ‘Vejam como os comunistas tratam suas esposas’”. Retornado do exílio em 1979, ele morreu no Rio, em 1990, aos 92 anos, tão Prestes quanto sempre foi.

    Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.

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