Cristyan Costa
Poucas coisas foram tão rentáveis no Brasil, nos últimos 50 anos, quanto abrir uma igreja, um sindicato ou um partido político. A isenção tributária concedida a tais entidades tornou essa peculiaridade nacional ainda mais lucrativa. Com o fim da contribuição obrigatória, em 2018, os sindicatos passaram a ser um mau negócio (no ano anterior, eles haviam faturado R$ 3,64 bilhões). De 2006 a 2018, o número de templos religiosos saltou de 10 mil para 25 mil (em 2013, o lucro coletivo chegou a R$ 24,4 bilhões). Mas o negócio do momento são mesmo os partidos políticos.
Na primeira versão do orçamento, enviada ao Congresso em agosto deste ano, o governo propôs um teto de R$ 2,5 bilhões para o fundo eleitoral de 2020. No começo de dezembro, deputados da Comissão Mista de Orçamento subiram a quantia para R$ 3,8 bilhões. Na semana passada, entretanto, o relator da proposta, Domingos Neto (PSD-CE), recuou e os parlamentares decidiram fixar o valor em R$ 2 bilhões. O relatório segue agora para votação no plenário.
O que pareceu uma boa ação dos deputados camuflou um aumento de 16% em relação ao R$ 1,7 bilhão destinado à disputa do ano passado. Ou R$ 300 milhões a mais. Com esse dinheiro seria possível comprar 2.056 ambulâncias, construir 2.307 casas populares ou 140 escolas públicas.
O PSL e o PT serão os campeões de verbas: juntos, embolsarão mais de R$ 400 milhões para o pleito municipal. Do total do fundo, 48% (ou R$ 960 milhões dos R$ 2 bilhões) serão distribuídos de acordo com o número de deputados eleitos, 35% (R$ 700 milhões) irão para os partidos que elegeram ao menos um deputado, 15% (R$ 300 milhões) serão divididos conforme o número de senadores eleitos e 2% (R$ 40 milhões) serão partilhados de forma igualitária entre todos os partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Curiosamente, as despesas com o preenchimento dos cargos de chefe do Executivo municipal em 2020 terão como base de cálculo o resultado das últimas eleições para o Legislativo federal.
Pelas regras atuais, partidos como o PT — que perdeu uma enorme quantidade de prefeitos em 2016 — e o PSL — que provavelmente voltará a integrar o bloco dos nanicos na próxima eleição com a saída do presidente Jair Bolsonaro —, podem entrar em todos os critérios de divisão, o que ajuda a explicar a bolada que abocanharão no próximo pleito. É como se cada um dos deputados federais dessas duas legendas valesse algo em torno de R$ 3,8 milhões. Dos 35 partidos registrados no TSE (outros 76 esperam na fila a certidão de nascimento), cinco não elegeram nenhum representante no Congresso: PSTU, PCO, PRTB, PMB e PCB. Mesmo assim, vão entrar na divisão dos 2% e receberão mais de R$ 1,1 milhão no ano que vem.
É uma bolada e tanto, mas não é tudo. Há também o fundo partidário, formalmente denominado Fundo Especial de Assistência Financeira. Trata-se de um valor mensal destinado aos partidos todos os anos (eleitorais ou não), para o custeio de despesas com aluguel de sede ou contas de água e luz, por exemplo.
No ano passado, o Congresso decidiu que esses recursos podem financiar também ações na internet, contratação de advogados e compra de passagens aéreas para não-filiados. O fundo partidário de 2020 foi orçado em R$ 959 milhões. Podem receber esse dinheiro as legendas que obtiverem, no mínimo, 1,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas, ou partidos que elegeram pelo menos nove deputados em um terço dos estados. Das 35 siglas existentes, 21 tiveram acesso ao fundo partidário em 2019 (R$ 927 milhões).
O aumento de R$ 300 milhões no fundo eleitoral adquire dimensões ainda mais abusivas quando se constata que a campanha dos candidatos a prefeito ou vereador é muito mais barata que a feita pelos concorrentes à Presidência da República, aos governos estaduais, ao Congresso e às assembleias legislativas. Em 2016, 95 municípios tiveram candidaturas únicas e em 2.729 cidades a disputa se deu entre dois candidatos. Naquele ano, o TSE estipulou um teto de gastos. Em cidades com até 10 mil eleitores, por exemplo, o limite para o Executivo foi de R$ 100 mil e, para o Legislativo, de R$ 10 mil. Em Batatais, no interior de São Paulo, na época com 43 mil eleitores, um candidato a prefeito pôde gastar no máximo R$ 152 mil e, a vereador, R$ 24 mil. Dos 5.570 municípios brasileiros, 4.896 (quase 88%) têm menos de 50 mil habitantes. Na maioria das localidades, os comícios e showmícios foram aposentados pela chegada da internet e das redes sociais, o que também dispensa gastos exorbitantes.
“A missão do relator é expressar a vontade da maioria”, recitou Domingos Neto numa entrevista à BBC Brasil, na tentativa de emplacar, no começo de dezembro, o valor de R$ 3,8 bilhões para o fundo eleitoral. “Os presidentes de partidos entenderam que era importante essa suplementação”. Naquele momento, o parlamentar teve o endosso de 13 partidos, entre eles o PT, o PSL e o PSDB. Rivais nas urnas, as três legendas (que conseguiriam, juntas, quase R$ 1 bilhão) uniram-se no combate à proposta do Partido Novo que reduziria o teto do fundo eleitoral para R$ 765 milhões.
Em países como a França, onde há financiamento público de campanha, o financiamento eleitoral custa anualmente cerca de 61 milhões de euros (R$ 267 milhões). Para terem acesso aos recursos, os partidos precisam conseguir ao menos 1% dos votos em 50 zonas eleitorais do país, e a distribuição é proporcional ao tamanho da bancada na Assembleia Nacional. Nos Estados Unidos, o dinheiro dos pagadores de impostos é tratado com cuidados que o Brasil sempre ignorou. Nas eleições de 2016, por exemplo, US$ 96 milhões (cerca de R$ 400 milhões à época) estavam disponíveis para os concorrentes à Presidência da República. Só o pré-candidato democrata Martin O’Malley aceitou receber recursos do fundo eleitoral. Isso porque quem usar o dinheiro estará sujeito a um teto de gastos e não pode arrecadar recursos de doações após receber o financiamento.
“Quando uma pessoa ou uma empresa gastam mais do que ganham, elas vão à falência. Quando um governo gasta mais do que ganha, ele te manda a conta”, ensinou na década de 1980 o ex-presidente Ronald Reagan. A imensa maioria dos políticos brasileiros finge que não sabe disso.