Fazer greve contra privatização é abusar do direito de greve, decidiu o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao julgar processo referente à paralisação de 72 horas de funcionários da Eletrobras em protesto contra os planos do governo de Michel Temer de privatizar a empresa, o tribunal entendeu, por maioria de votos, que o movimento, por não se dirigir diretamente ao empregador, mas a uma medida do governo, teve caráter político, e não trabalhista.
A greve ocorreu em junho do ano passado. Tão logo foi anunciada a paralisação, a Eletrobras ajuizou dissídio coletivo de greve para que o TST se pronunciasse sobre o caráter abusivo do movimento. Em caráter liminar, a empresa pediu que fosse determinada a manutenção de 100% dos empregados e dos serviços. O relator do processo, ministro Mauricio Godinho Delgado, acolheu parcialmente o pedido liminar para que, durante a greve, fossem mantidos em serviço 75% dos empregados de cada empresa do Sistema Eletrobras.
Recentemente, o mérito do caso foi a julgamento pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST. O relator entendeu que a motivação dos empregados para a paralisação tinha relação com a manutenção de seus empregos. “É um direito constitucional legítimo dos trabalhadores se posicionarem contra ou a favor desse risco”, disse o ministro Godinho Delgado, cujo voto foi seguido pela ministra Kátia Magalhães Arruda.
Prevaleceu, no entanto, o voto divergente do ministro Ives Gandra Martins Filho, que defendeu que, para ser legítima, a greve deve se referir a direitos que se pretendem ver respeitados ou criados, como reajuste salarial ou vantagens diversas. “É a greve dirigida para impor um ônus diretamente ao empregador”, afirmou o ministro Gandra Martins Filho.
No caso, a privatização da empresa não era uma decisão da Eletrobras, e sim dos Poderes Executivo e Legislativo. A paralisação dirigia-se, portanto, aos dois Poderes, de forma a discutir políticas públicas. “A greve política é dirigida ao Estado. Não cabe discutirmos greve quando não está em jogo um conflito entre empresa e trabalhadores, mas entre trabalhadores e governo”, disse o ministro Gandra Martins Filho, cujo voto foi seguido pelo vice-presidente do TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, pelo ministro Aloysio Corrêa da Veiga e pela ministra Dora Maria da Costa.
A decisão, que permite descontar do salário os dias parados pelos grevistas, traz segurança jurídica, já que fixa um critério claro para definir se uma paralisação é abusiva ou não. A greve envolve diretamente questões trabalhistas e, portanto, deve estar dirigida ao empregador. Quando a paralisação está voltada contra atos de um governo, é sinal de que ela não se refere a direitos trabalhistas. Nesse caso, o direito de greve está sendo manipulado para fazer política, o que é abusivo.
Ao oferecer critérios claros sobre o direito de greve, o entendimento do TST ajuda a desmistificar conceitos que, não raro, são usados para interpretações sem fundamento jurídico. É comum, por exemplo, a alegação de que toda greve tem uma dimensão política, como se isso legitimasse as greves políticas. Levado o raciocínio ao extremo, não haveria greves políticas, já que em qualquer postulação política seria possível vislumbrar algum vínculo, por mais tênue que seja, com questões trabalhistas. Com isso, qualquer assunto da agenda pública ─ por exemplo, a política de juros ou o déficit fiscal ─ poderia ser motivo para paralisações trabalhistas, o que é um contrassenso.
Ao tratar dos direitos sociais, a Constituição de 1988 assegurou, em seu art. 9.º, “o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Mas isso não é uma autorização para interromper o trabalho por motivos políticos ou ideológicos. A própria Constituição fixou, no mesmo artigo, que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”. Greve é para discutir direitos trabalhistas. O resto é abuso, que deve ser coibido.