O primeiro homicídio da Humanidade deu-se por inveja. Caim ficou desesperado com o sucesso de Abel e matou o irmão com uma pedrada.
Portanto, a inveja, um dos sete pecados capitais, vitimou 20% da Humanidade ainda nos albores do Éden. Só não foram 25% porque Abel teve uma irmã gêmea. De todo modo, foi o primeiro genocídio.
Jorge Luís Borges, que não ganhou o Prêmio Nobel de Literatura e involuntariamente tornou ainda menores muitos daqueles que o receberam por razões extraliterárias, voltou a este tema diversas vezes em sua obra.
Numa delas, Abel e Caim estão andando no deserto e param à noite para comer e descansar. À luz da fogueira, Caim vê a cicatriz na cabeça de Abel, deixa cair o pão que está levando à boca e pede perdão pelo crime. Abel responde: “Foi você quem me matou ou fui eu quem te matou?”.
Diz Caim: “Agora sei que em verdade você me perdoou, pois perdoar é esquecer. Também vou tratar de esquecer”. Abel conclui: “É isso mesmo. Enquanto há remorso, ainda há culpa”.
Noutra passagem, Borges lembra trecho de uma kenningar, gênero desconcertante da poesia medieval nórdica, em que Eva está debulhada em lágrimas enquanto lava as roupas ensanguentadas de Abel.
A inveja é um dos sete pecados capitais e tem resultado em desgraças tremendas. Os outros seis são a gula, a luxúria, a avareza, a ira, a soberba e a preguiça. Eles surgiram na Idade Média e demoraram alguns séculos para serem oficialmente reconhecidos pela Igreja.
Todavia a inveja é anterior à lista. Os antigos romanos designavam um conjunto de sentimentos desarrumados sob a rubrica da inveja, que incluía a antipatia, o ódio, a má vontade, o ciúme e a rivalidade.
Inveja veio do Latim invidia, do verbo videre, ver, e carrega o significado de negar o que se vê, pelo prefixo in, que indica negação. Não é que o invejoso não vê, é que ele se recusa a ver e, quando vê, quer negar o que vê.
Como na tradição portuguesa, pouco se lê, o povo guardou a sabedoria dos provérbios e dos ditados com versos e rimas, com o fim de garantir a memorização.
E, por fim, o primeiro homicídio da Humanidade representou nos tempos míticos uma rivalidade terrível entre a agricultura e a pecuária. Caim era agricultor e Abel era pastor, diz a Bíblia. E o agricultor tomou-se de uma inveja danada quando Deus (o Estado, segundo a leitura leiga do texto sagrado), revelando sua preferência pela carne assada que Abel lhe oferecia nos sacrifícios, não deu muita bola para os frutos da terra oferecidos por Caim.
Não vem ao caso, mas como a batata dos delatores da Friboi está assando no lamaçal de denúncias em que se transformou nosso país, o contexto acabou por me inspirar esta pauta.
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