Fernando Gabeira (publicado no Estadão)
As eleições no Senado marcaram o fim de uma hegemonia de décadas do velho MDB. Nesse aspecto, houve uma renovação. Ela não veio com o melhor espetáculo possível. Nem se pode afirmar ainda a amplitude dessa renovação. O consenso é que as reformas ficaram mais fáceis. Acredito ser essa uma das vantagens da renovação.
Mas minha alegria com um Senado propenso às reformas é limitada. Isso significa que pode respaldar ou mesmo melhorar as reformas vindas do governo, mas não demonstrou ser capaz de dar uma contribuição singular, que, além das reformas, é capaz de nos dar grandes projetos.
Mal conheço o presidente Davi Alcolumbre. Vi o senador Randolfe Rodrigues compará-lo a Rui Barbosa porque suportou em silêncio as críticas dos adversários. Em silêncio todos se parecem com Rui Barbosa. O problema é quando começam a falar.
A eleição no Senado foi num momento em que os corpos ainda estão sendo retirados da lama, num desastre com cerca de 350 mortos, lastimado no mundo inteiro, do papa a Theresa May. Houve poucas menções a isso, na verdade havia até uma certa pressa, confessada nos microfones, de comemorar a posse com as famílias. Será que nos trabalhos centrais, reforma da Previdência e pacote contra o crime, vão encontrar um espaço para a segurança nas barragens?
O governo mandará um projeto nesse sentido. Mas o Congresso tem papel vital na formulação de um marco regulatório.
A Vale decidiu fechar as barragens que têm o mesmo modelo de construção das de Mariana e Brumadinho. Está fechando por contra própria. Se o desastre de Mariana tivesse inspirado os parlamentares, elas deveriam ter sido proibidas no Brasil, como já o são em alguns outros países.
Naquela gritaria insana dos senadores, pensei, como todo mundo, que o nível estava baixo. Mas não me alonguei nesse sentimento. Não sou um turista sueco. Esse é o nível e é com ele que temos de trabalhar.
A grande inspiração para seguir a política no Brasil vem dos bombeiros de Minas, rastejando na lama em busca dos corpos e sobreviventes. Não importam a paisagem nem o cheiro.
A possibilidade de obter um avanço no controle da indústria é real depois desses dois grandes desastres. As chances são maiores porque a influência da indústria foi menor nas eleições de 2018. A anterior, de 2014, foi a última financiada por empresas. A Vale destinou então cerca de R$ 75 milhões aos candidatos.
Senadores que me parecem bem-intencionados, como o próprio Randolfe e Simone Tebet, para citar alguns, vão ter um papel importante neste processo de renovação do Senado. Muitas vezes declararam que seu objetivo era aproximar o Senado da sociedade. Para dizer a verdade, a própria sociedade se aproximou do Senado e deu um empurrão final em Renan Calheiros.
O mandato que começa é muito diferente dos anteriores. Talvez a pressão social sobre os eleitos seja mais intensa e isso muda o jogo. Votações abertas criam um vínculo com os eleitores. Eles cobram e agora sabem com clareza quem votou o quê.
Existem, evidentemente, alguns raros momentos em que a pressão social se choca com a consciência do parlamentar. Mas isso se revolve, são perdas e ganhos. Rui Barbosa jamais foi presidente.
Não será apenas na segurança de barragens que eles podem ter um papel. Também na segurança pública, algo que move mais a população do que a reforma da Previdência.
No texto de Moro, as milícias são consideradas organizações criminosas, ao lado do tráfico de drogas. Ambos dominam grande parte do território no Rio e, em menor escala, em outras cidades.
O ex-ministro Raul Jungmann percebeu bem o que chamou de coração das trevas, a inevitável associação dos donos do território com políticos eleitos ou ainda em busca de voto. De modo geral, esse nó se desata fora do Parlamento, a partir das investigações policiais. Mas se parlamentares não reconhecerem essa limitação da democracia, essa impossibilidade de votar e ser votado em todo o espaço urbano, aí, então, a tarefa será mais difícil.
O quadro geral na imprensa é de que a coisas começam bem para a agenda do governo. Mas sempre existe algo que não aparece na agenda, a não ser em sobressaltos. É o caso do meio ambiente. De nada adianta argumentar nesse campo, porque os desastres, naturais ou provocados, são de uma eloquência cada vez mais poderosa.
Da mesma maneira, não é possível um Parlamento ignorar que um país vizinho ao Brasil vive uma grande crise e que o governo Maduro agoniza. No caso de uma guerra civil sangrenta, certamente haverá mais gente na fronteira. A Venezuela tornou-se um problema internacional. Isso não significa que o papel do Brasil se tornou supérfluo. Discute-se em todo o mundo, mas é em alguns países vizinhos que sofreremos as consequências.
São apenas algumas ideias inspiradas nesta estreia do Senado. Na verdade, não teria espaço ainda para discuti-las. Se estivesse lá, certamente eu manteria silêncio, não ia perder esta única chance de ser como Rui Barbosa.
O jogo político começa agora. De janeiro para cá, apenas o governo apareceu. Agora é mais amplo. A sensação que tive inicialmente é de que não há blocos organizados.
Continuo achando que o número de surpresas será grande. Mas nesta altura, o melhor é garimpar alguns avanços no que às vezes parece um caos, um circo, um botequim.
O velho grupo caiu. São as consequências das eleições. Renan achou que era um produto da novidade eleitoral só porque se elegeu. Engano. Os ventos continuam soprando e o levaram para o espaço. Onde, aliás, já estão todos os seus colegas derrotados. Renan apresentou-se como um falso novo. Até que ponto o novo que venceu representa mesmo uma novidade? Os tempos não estão favoráveis às manipulações.