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Augusto Nunes

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A lua

O silêncio no centro de controle em Houston era absoluto, cortado apenas pelas vozes que vinham da Lua

Por Heraldo Palmeira
Atualizado em 30 jul 2020, 19h33 - Publicado em 21 jul 2019, 20h03
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  • Heraldo Palmeira

    “Quando a lua vem
    Surgindo cor de prata
    E ilumina
    O meu pedaço de torrão
    O meu ranchinho
    Aqui no seio da mata
    Não precisa
    Nem que acenda o lampião”

    Era 1965, eu estava na primeira infância e morava no interior, já com o vício de dormir com o radinho a pilha na cama. A casa era enorme, os quartos tinham alpendres e eu podia sair de fininho para olhar a noite. Antes, precisava vencer o medo das caiporas, que os mais velhos diziam infestar as matas dos arredores fumando muito e assobiando.

    Juro que até ouvi uns assobios e o cheiro do fumo delas em algumas ocasiões – principalmente nos dias em que eu fizera traquinagens mais sérias e minha mãe lembrava o quanto as caiporas desgostavam de crianças desobedientes.

    A música fora gravada com nobreza, violinos alternando camas e pizzicatos. E aqueles versos eram lindos, ainda mais à noite, pois pareciam aproximar a Lua.

    O tempo andou ligeiro e em 1969 eu já estava na segunda infância, morava na capital e começava a olhar para as meninas de um jeito que apertava o peito com algo muito bom de sentir, como se ardesse de doçura, como se parasse o tempo, como se fosse saudade com anestesia, como se fosse coisa da Lua.

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    Aquele foi um ano marcante. Eu havia feito uma viagem com meu pai e ele voltara gripado. O passar do tempo trouxe o aparecimento de palavras estranhas – icterícia, hepatite, tumor, pâncreas… As conversas suaves que minha mãe passou a ter comigo, a sós, foi me ajudando a entender que vinha coisa pior pela frente, ainda mais quando me dizia que ele estava doente e ia precisar muito da gente.

    Eu era somente um menino buchudo levando a vida rotineira daqueles tempos. A novidade é que meu pai passou a ficar o dia inteiro em casa, em pijamas. Eu não conhecia até ali a expressão “licença médica”. E entendia menos ainda uma tal “licença acompanhante”, que fazia minha mãe também não precisar ir mais para o trabalho.

    Era época de férias escolares do meio do ano. A casa era enorme, agradável, e logo depois do café nos habituamos a ficar juntos, eu deitado numa rede, meu pai sentado numa cadeira austríaca, de balanço, com jornais e revistas à mão me contando as novidades.

    Ele preferiu me ensinar e explicar outros nomes estranhos. Espaço sideral, atmosfera terrestre, Estados Unidos, Rússia, Guerra Fria, geopolítica, corrida espacial, NASA, Centro Espacial, foguete, cápsula, satélite, Sputnik, Laika, Vostok 1, Yuri Gagarin, cosmonauta, astronauta – cheguei a sonhar em ser um! –, Mercury, Gemini, Apollo, Saturno V, Columbia, Eagle, Módulo de Comando e Serviço, Módulo Lunar, computadores, cérebro eletrônico, alunissagem, gravidade zero…

    Ele era um homem muito culto, não teve dificuldade para virar um repórter espetacular da viagem do homem à Lua para mim. Exultava, se emocionava, me encantava. Em pouco tempo, Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins eram nomes familiares.

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    – Papai, eles vão encontrar São Jorge? O Dragão não vai matá-los?

    “Lua de São Jorge
    Lua deslumbrante
    Azul verdejante
    Cauda de pavão
    Lua de São Jorge
    Cheia, branca e inteira
    Oh, minha bandeira
    Solta na amplidão
    Lua de São Jorge
    Lua brasileira
    Lua do meu coração”

    Finalmente, a gente ia ter o primeiro encontro do homem com o céu. Ora, eu tinha um anjo da guarda e iria finalmente saber qual o caminho para conhecê-lo!

    Ciente da encrenca que eu estava criando, ele me tranquilizava, compreensivo. Dizia que tudo estava combinado e que o santo e seu dragão talvez nem estivessem lá durante a visita.

    Ele transformou aquela aventura extraordinária em episódios diários, como uma série retirada dos jornais e revistas. Foi a maneira generosa que ele encontrou para me distrair do perigo que nos rondava, instalado no corpo que já ficava mais magro.

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    Quando a viagem começou, foram dias sensacionais. Enfim, a Apollo 11, lançada ao espaço pelos foguetes Saturno V cuspindo fogo, estava levando o homem à Lua. Na véspera do desembarque, eu me preocupei porque os astronautas estavam voando pelo famoso “lado escuro”. Ele me disse que não havia problema, que os computadores garantiam um voo seguro. E até me contou que o módulo lunar pousaria no Mar da Tranquilidade, antecipando que não havia água nele.

    No dia da alunissagem ele me contou um segredo, falando baixinho, em confiança:

    – São Jorge conversou com Deus e acharam melhor deixar os astronautas sozinhos na Lua. Assim, eles vão ficar mais à vontade para trabalhar. Também pensaram que o dragão poderia se assustar com a chegada da nave e reagir mal.

    Além do Dragão de São Jorge, também senti muito medo por saber que a nave tinha outra menor dento dela, e que apenas Armstrong e Aldrin desceriam na Lua. A minha grande questão era o fato de Collins ficar voando sozinho ao redor. E se eles se perdessem?

    “A Lua
    Quando ela roda
    É Nova
    Crescente ou Meia
    A Lua
    É Cheia
    E quando ela roda
    Minguante e Meia
    Depois é Lua novamente”

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    Hoje, imagino que todo mundo tinha essa mesma preocupação, pois tudo naquilo era a primeira vez, apenas três homens e uma montanha de metais soltos no espaço sideral. Um problema, um erro qualquer e não sobraria qualquer vestígio.

    No processo de alunissagem, o astronauta Charlie Duke acompanhava atentamente os painéis de instrumentos no Centro de Controle, em Houston. Era a única pessoa autorizada a manter comunicação com Armstrong e Aldrin. E ele tomou o microfone:

    – Eagle, Houston. Se vocês receberem, têm sinal verde para a descida.

    Voando 80 quilômetros acima, Michael Collins também recebeu a mensagem límpida e clara e todos ouviram a voz de Armstrong falar “Roger”, sinal de que também recebera.

    A partir dali, o astronauta Deke Slayton assumiu o lugar de Duke na comunicação com a cápsula, passou a estudar os monitores de situação e teria a missão de dar conselhos técnicos e dizer palavras tranquilizadoras aos dois colegas na Eagle.

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    A nave continuava descendo suavemente, enquanto a Terra mantinha a respiração sintonizada nos aparelhos de televisão e rádio. Assim que os instrumentos de navegação informassem que estavam a 309 quilômetros do solo lunar, Armstrong e Aldrin acionariam o sistema de desaceleração e teria início a alunissagem.

    Eu estava morrendo de medo, mas ter meu pai ali ao lado me transformava num destemido explorador do espaço. Éramos nós dois pilotando a nave dos sonhos. Confesso que me veio a dúvida se a lua era de militares ou de bailarinos, se era certo incomodar São Jorge e o Dragão, se ela não deveria ser apenas dos apaixonados. Mas, agora, era tarde demais, faltava pouco. E eu também queria estar lá com ele.

    “O céu de Ícaro
    Tem mais poesia
    Que o de Galileu
    E lendo teus bilhetes
    Eu lembro do que fiz
    Querendo ver o mais distante
    E sem saber voar
    Desprezando as asas
    Que você me deu
    Tendo a lua
    Aquela gravidade
    Aonde o homem flutua
    Merecia a visita
    Não de militares
    Mas de bailarinos
    E de você e eu”

    Os computadores da Eagle registraram um aumento de potência pela grande atividade de processamento de dados que o momento exigia, a ponto de gerar chamas. A cápsula começou a balançar de um lado para o outro com violência, a desaceleração devolvia a sensação de gravidade com muita intensidade e os dois homens sorriam felizes. A hora estava chegando.

    Quando ficaram a apenas 1.800 metros do solo lunar, soou insistentemente um alarme no programa, informando que os computadores estavam sobrecarregados. A luz amarela não parava de piscar na cara dos astronautas. Era a denominada sobrecarga executiva, o sistema estava fazendo exatamente o previsto. Avaliando, inclusive, a possibilidade de abortar o pouso e iniciar o retorno para o Módulo de Comando.

    Já estavam a apenas 1.200 metros e Charlie Duke voltou ao microfone:

    – Eagle, sinal verde para o pouso.

    Quando faltavam apenas 400 metros para a superfície da Lua, Armstrong digitou “Prosseguir” no teclado, entrando na fase final da descida. Ele e Aldrin começaram a analisar o solo e perceberam que havia algo errado, ali não era Home Plate, o local programado para o pouso.

    Na sobrecarga de processamento de dados, possivelmente o plano de voo sofrera alteração e eles haviam ultrapassado 6,5 quilômetros o local previsto para o pouso. O sistema começou a levá-los novamente para a rota, mas não havia combustível suficiente para isso. Naquela situação, qualquer segundo faria diferença e a única opção era pousar imediatamente, pois o vácuo lunar não permitiria planar.

    Neil Armstrong teve de assumir o controle manual e pilotar a nave. O silêncio no centro de controle em Houston era absoluto, cortado apenas pelas vozes que vinham da Lua. Os técnicos não podiam fazer mais nada para tentar ajudar a operar equipamentos que estavam a 400 mil quilômetros de distância.

    Não havia lugar para pousar, tudo estava cercado por rochas e pedras enormes e crateras mortais. Armstrong desacelerou a descida da nave de seis para 2,7 metros por segundo, restava combustível para 90 segundos.

    Entre chamas e equilibrando-se nos trancos provocados pelos jatos de estabilização para compensar os balanços e ajustar o pouso, o comandante da missão se manteve calmo e, com precisão cirúrgica, fez a mira para o pouso. Restava combustível para apenas 60 segundos e a descida continuou. Faltando 15 metros, não havia qualquer margem para erro. Um pouco mais, 5 metros… E soou em Houston a narração de Aldrin:

    – Estamos levantando poeira!… Luz de contato. Ok, motor parado. Motor de descida desligado.

    O pouso fora tão perfeito e suave, que ele reviu todos os sinais disponíveis nos painéis. As quatro luzes externas acesas nas quatro plataformas redondas de pouso da nave lhe deram certeza de que eram os primeiros humanos a estar naquele lugar.

    Domingo, 20 de julho de 1969, 17h17m42 (horário de Brasília), a voz de Armstrong soou tranquila no grande salão de controle da NASA:

    – Houston, aqui é a Base da Tranquilidade. A Eagle pousou!

    Depois da gritaria geral, Charlie Duke tomou mais uma vez o microfone:

    – Roger, Tranquilidade. Imitamos vocês no solo. Aqui há um monte de caras que quase morreram sufocados. Já voltamos a respirar. Muito obrigado.

    Os dois astronautas deram-se as mãos, sorridentes, ouvindo a comemoração que chegava da Terra pelos fones de ouvido. De pé, deram-se tapas nas costas, emocionados.

    Mais adiante, outro grande momento: a abertura da porta, a pequena escada, a descida lenta de Armstrong, a fabulosa Hasselblad 500 EL/M com “Lente Lua” Zeiss Biogon 5.6/60º e filme Kodak – que também desenvolveu um filme especial para gravar imagens da chegada.

    Vencidos os poucos degraus, o ápice da humanidade: o primeiro passo no solo lunar, a marca da pegada como uma imagem eterna e uma frase definitiva do homem que mereceu tamanha honraria:

    – Um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade.

    Poucos dias depois, assistimos a cápsula cair suavemente nas águas do Pacífico sob três enormes paraquedas, a chegada e saudação dos mergulhadores pelas escotilhas e do helicóptero militar de resgate.

    Ele e eu nos olhamos satisfeitos. Missão cumprida! Ainda tivemos mais quinze meses juntos e ele se foi. Não sei se visitou a Lua a caminho do céu. Tomara tenha podido.

    “Caminhando pela estrada
    Eu olho em volta
    E só vejo pegadas
    Mas não são as suas
    Eu sei, eu sei, eu sei
    O vento faz
    Eu lembrar você
    Procuro encontrar
    Não sei onde está
    Você, você, você”

    Trechos de:
    Sinfonia da mata (Adelino Moreira)
    A Lua (Renato Rocha)
    Lua de São Jorge (Caetano Veloso)
    Tendo a Lua (Herbert Vianna)
    A Lua e eu (Cassiano-Paulo Zdanowski)

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