Publicado no Estadão desta quarta-feira
Faz muito bem o governo brasileiro em reagir de maneira enfática à revelação de que o serviço de inteligência americano bisbilhotou a presidente Dilma Rousseff. É preciso cobrar explicações claras do governo dos Estados Unidos e deixar evidente a justa indignação gerada por esse tipo de atitude. No entanto, o governo foi muito além disso, movido pelas idiossincrasias da presidente ─ que mandou dizer aos quatro cantos que está furiosa e ameaçou cancelar sua visita de Estado aos Estados Unidos, programada para outubro, caso as desculpas americanas não lhe agradem.
Trata-se de um exagero. Se não considerar satisfatórias as explicações do presidente Barack Obama ─ e é difícil imaginar alguma que seja ─, o que Dilma pretende fazer em seguida, além de suspender a viagem? Retirar seu embaixador em Washington? Congelar relações?
Uma escalada que leve a qualquer uma dessas consequências, nesse caso específico, extrapola a prudência diplomática. Pois, se é fato que os Estados Unidos foram muito além do razoável na relação com um país amigo, com o qual mantêm laços cordiais desde sempre, é igualmente pertinente salientar que a relação brasileira com os americanos não pode ser medida por esse incidente ─ que, embora grave, deve ser analisado em perspectiva.
A espionagem é quase tão antiga quanto o mundo civilizado, está disseminada por toda parte e, claro, não poupa amigos e aliados. A CIA, o mais conhecido serviço de inteligência dos Estados Unidos, atua no Brasil praticamente desde a época em que foi fundada, em 1947. Isso não é segredo para ninguém nem jamais afetou a relação entre os dois países.
O aparato americano de informações não difere, a não ser talvez pelo tamanho e pelos recursos envolvidos, de seus congêneres em outros países. Há casos em que mesmo serviços relativamente menores, como o de Cuba, chegam a ser mais eficientes que o americano. Xeretar e-mails e interceptar mensagens de celular são ações que fazem parte do catálogo de serviços oferecidos pelas agências de espionagem em boa parte do mundo.
É por essa razão que diversos países cujas comunicações foram alvo da malha de espionagem americana, conforme revelado pelo ex-analista de inteligência Edward Snowden, reagiram de maneira meramente simbólica.
A Alemanha, um dos principais afetados ─ e que é conhecida pela rigorosa proteção da privacidade de seus cidadãos ─, cancelou um acordo, datado de 1968, que permitia a Estados Unidos e Grã-Bretanha realizarem operações de vigilância para garantir a segurança de suas tropas estacionadas no país. Na prática, esse acordo já não tinha nenhum valor. Foi apenas uma forma de protestar, pois, como disse a chanceler Angela Merkel, “grampos não são coisas que amigos fazem”.
É evidente que os Estados Unidos passaram dos limites em nome de sua segurança após os atentados do 11 de Setembro, violando tratados internacionais e mesmo os direitos de cidadãos americanos no próprio país ─ e, agora se sabe, de cidadãos em outras partes do mundo.
Ademais, monitorar telefonemas e e-mails da presidente do Brasil não tem nada a ver com o combate ao terrorismo. Portanto, nenhuma crítica a esses procedimentos será despropositada.
No entanto, o tom usado pelo governo brasileiro e as ameaças de passar da retórica à ação nesse contencioso com os Estados Unidos indicam uma estratégia diplomática pouco inteligente, que parece respeitar muito mais os interesses partidários e ideológicos do lulopetismo do que uma efetiva política de Estado.
Se estivesse mesmo interessado em defender princípios democráticos, o governo não cogitaria de aliar-se à China e à Rússia, que a todos espionam sem nenhum escrúpulo, para fazer frente à ofensa americana.
Com sua reação, Dilma ganha pontos com um eleitorado que ama odiar os americanos. A imagem de mulher durona, determinada a defender os interesses brasileiros contra o “mal” representado pelos Estados Unidos, é um poderoso tônico eleitoral.