PUBLICADO NA COLUNA DE CARLOS BRICKMANN
CARLOS BRICKMANN
Ele começou sua carreira jornalística cobrindo futebol. Não, não era um especialista em táticas, nem um frio observador do jogo ─ ao contrário, passional como poucos, festejou um gol do seu Palmeiras na tribuna da imprensa e por pouco não apanhou da torcida adversária (chegou à conclusão de que futebol não era com ele e mudou de setor). Passou para a cobertura da indústria automobilística. Não, não se interessou por bielas e correias dentadas: continuou entendendo de automóvel aquilo que todos os que têm carro entendem. Ampliou seu foco para a economia. Fez um sucesso estrondoso, sem nunca tentar entender de economia mais do que os especialistas: seu grande trabalho foi traduzir para os consumidores de informação, pelos jornais, rádio, tevê, aquilo que os economistas pensavam do assunto. Joelmir Beting fez sucesso por exercer a profissão de jornalista.
Acrescente-se a isso o talento, claro: Joelmir percebeu que, para o grande público não especializado, nem especialmente interessado em economia, não bastava traduzir o economês para o português. Seu texto privilegiado, seu talento para a criação de bordões, ajudou-o a divulgar o que acontecia no hermético mundo econômico. Quando a Daimler-Benz testou um Mercedes com motor a metano, gás extraído da decomposição de material orgânico, criou a frase “um carro de luxo movido a lixo”. Quando se iniciou o Proálcool, com a produção de motores movidos a álcool hidratado, foi dele o bordão “água no álcool em vez de álcool na gasolina”. Nem sempre o entendimento era de alta precisão, mas não há dúvida de que deixava o público mais bem informado sobre o tema. Chamaram-no de Chacrinha da economia e ele se divertiu com isso.
Joelmir tinha muito de italiano ─ levado pelo forte temperamento de sua esposa, a matriarca Lucila Zioni Beting. Um de seus filhos chamava-se Gianfranco, seu time era o Palmeiras, no casamento de seu filho Mauro a tarantella correu solta. Mas Joelmir descendia de austríacos. E seu rigor profissional nada tinha da informalidade atribuída popularmente aos italianos e seus descendentes: na TV, Joelmir era o primeiro a transmitir a “deixa” (última frase de seu comentário, para que o diretor soubesse a hora exata de focalizar outro apresentador) e o tempo preciso de seu comentário. Nos jornais, nunca se soube de coluna do Joelmir entregue depois do horário ─ isso simplesmente não existia.
Este colunista trabalhou alguns anos com Joelmir, embora nunca tivesse realizado seu objetivo de ficar a seu lado no rádio. Normalmente, Joelmir era o astro, embora nunca se comportasse como astro. Era gentil, brincalhão, sempre de bom humor. Num meio como o jornalístico, onde inventam defeitos se não os encontram, foi uma das raríssimas pessoas a alcançar sucesso sem provocar inveja e a circular por diversos empregos sem criar um só inimigo.
Adeus, Joelmir. E, cético embora (por exemplo, só festejei a queda do Palmeiras para a Segunda Divisão depois que não havia possibilidade matemática de virada), tenho uma certeza: como no caso de Irene, a personagem do poema de Manuel Bandeira, Joelmir entrou no céu sem precisar pedir licença.
O ódio e o preço do ódio
Um grande portal noticioso, ligado a uma rede de TV, foi condenado a pagar R$ 50 mil de indenização ao jornalista William Waack, da Rede Globo. Motivo: transcreveu a falsa informação segundo a qual Waack era informante do Governo americano e da CIA, serviço secreto dos Estados Unidos. De onde surgiu a besteira? Waack, como qualquer jornalista de alto nível, mantém encontros com diplomatas, para conversar sobre as relações de seus países com o Brasil e trocar ideias sobre questões internacionais. Foi então acusado por um pequeno blog de ser espião. O grande portal copiou a notícia do pequeno blog.
Ridículos, os dois: Waack é jornalista sério, de reputação estabelecida, respeitado pelos colegas e pelo público. Os dois acusadores foram processados. O pequeno blog se retratou, admitiu que a notícia era mentirosa e fez um acordo que incluiu a publicação de um desmentido. O grande portal, mesmo sabendo que a acusação era falsa, resolveu bancá-la, tentando afetar a Globo e desmoralizar o jornalista concorrente. Foi então condenado a pagar a indenização por danos morais.
Muitas vezes, o jogo é combinado: a notícia falsa sai num veículo sem importância, sem repercussão, para ser reproduzida num meio de grande visibilidade, que depois se defenderá dizendo que apenas acreditou no que já estava publicado. Com a decisão da Justiça, no caso de William Waack, esse tipo de jogada fica mais arriscado.