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O trunfo e a fragilidade

Quem tem o poder só perde a iniciativa por distração ou imperícia

Por Alon Feuerwerker Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h25 - Publicado em 29 Maio 2020, 06h00
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  • O presidente da República opera a política de um jeito fixo, na ofensiva o tempo todo. Mais ainda agora quando entende que as instituições ensaiam cercá-lo. Para romper a tentativa de cerco, ele mira o elo mais fraco, o desgaste delas junto à sociedade. E apoia-se na figura mais preservada da demolição institucional dos anos recentes: as Forças Armadas. Vai dar certo?

    Depende também de como será executado. Mas é uma tentativa, sem dúvida.

    Ganha a guerra não necessariamente quem tem mais recursos, ganha quem sabe empregá-los com mais eficiência. Algo que funciona é concentrar o fogo no ponto mais débil da linha de defesa adversária. Para um governo e um presidente acossados por subestimar o Sars-CoV-2, é ouro em pó ver introduzida a variável da corrupção nas iniciativas destinadas a enfrentar a pandemia.

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    Jair Bolsonaro vem acumulando pontos na sacola. Livrou-se do festejado ministro da Saúde e do festejadíssimo ministro da Justiça. O custo de imagem foi baixo. O custo político foi próximo de zero. E decepou uma perna da resistência congressual quando dividiu o dito Centrão e atraiu o presidente do Senado. O da Câmara dá sinais de entender a nova situação.

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    Quem tem o poder só perde a iniciativa por distração ou imperícia. Mas de vez em quando os súditos rompem a barreira do ponto crítico e passam a não mais suportar a dominação, se o custo de enfrentar o poder é menor que o de continuar passivo. As medições de popularidade nem sempre conseguem calcular isso. Muitas vezes o problema cresce silenciosamente. Você só percebe quando é tarde.

    “Ganha a guerra não necessariamente quem tem mais recursos, ganha quem sabe usá-los com mais eficiência”

    Uma coisa que ajuda é olhar sempre para o ponto futuro, para onde caminham as tendências. A favor de quem opera a inércia. Se nada acontecer, acontece o quê? Se ninguém introduzir o fato novo relevante, no fim dá em quê?

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    A inércia está em parte a favor do presidente. Os governadores, alguns disfarçando, organizam a reabertura das atividades econômicas mesmo na subida da Covid-19. Pois não há mais condições políticas de segurar, especialmente para a população que ganha menos e para a turma que depende das atividades informais. Só quem continua podendo ficar em casa são os de renda garantida.

    E os governadores e prefeitos têm um encontro marcado com o calendário eleitoral. Pode até atrasar umas semanas, mas vai acontecer.

    A inércia, no entanto, também joga contra. O exercício do poder faz acumular descontentamentos, mágoas, ressentimentos, insatisfações. Em última instância é sempre o governo quem acaba organizando e engrossando a oposição. Acontece novamente agora na Praça dos Três Poderes.

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    Por enquanto, a dificuldade momentânea de os insatisfeitos juntarem-se todos contra ele ajuda Bolsonaro.

    O governo supõe que capturar um punhado de votos congressuais vai ser suficiente para neutralizar o cerco e a tentativa de aniquilamento. Ou que vai conseguir intimidar todos os potenciais inimigos o tempo todo, ou por tempo suficiente. Ou que as barreiras que separam os inimigos entre eles serão para sempre mais fortes que o desejo, de todos e de cada um, de se livrar de Sua Excelência.

    Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689

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