O escritor paulista João Anzanello Carrascoza lança, na próxima quinzena, livro no gênero que o notabilizou: o conto. Premiado com o Jabuti por O Volume do Silêncio, ele volta-se agora ao público infantojuvenil com as dez histórias de Caixa de Brinquedos (Edições SM, 56 págs., R$ 41).
A delicadeza, que lhe é característica, retorna com mensagens afiadas para os pequenos imaginativos e os grandes sonhadores. Acompanhado das ilustrações de Larissa Ribeiro, é uma leitura edificante para todas as idades.
Confira o conto inédito “E vem o sol”:
“E vem o sol
Tinham acabado de se mudar para aquela cidade. Passaram o primeiro dia ajeitando tudo. Na manhã seguinte, o homem foi trabalhar, e a mulher quis conhecer a vizinha. O menino, para não ficar só num espaço que ainda não sentia seu, acompanhou a mãe.
Entrou na casa atrás dela, sem esperança de ser feliz. Estava cheio de sombras, sem os companheiros. Mas logo o verde de seus olhos se refrescou com as coisas novas: a mulher de fala suave, os quadros coloridos, o relógio cuco na parede. De repente, o susto de algo a se enovelar em sua perna: um gato. Reagiu, afastando-se. O bichano, contudo, se aproximou de novo, a maciez do pelo agradando. E a mão desceu numa carícia.
E, na leveza de um pássaro, o menino se desprendeu da mãe. Ela não percebeu, nem a dona da casa. Só ele sabia que avançava, tanta era a sua lentidão: assim é o imperceptível dos milagres.
O menino experimentou de fininho uma alegria, como sopro de vento no rosto. Já se sentia menos solitário. Não vigorava mais nele unicamente a satisfação do passado. A nova companhia o avivava. E era apenas o começo. Porque seu olhar apanhou, como fruta na árvore, uma bola no canto da sala. Havia mais surpresas ali. Ouviu um som familiar: os pirilins do videogame e, em seguida, uma voz que gargalhava. Reconhecia o momento da jogada emocionante. Vinha lá do fundo da casa o convite. O gato continuava afofando-se nas suas pernas. Mas elas queriam o corredor. E, na leveza de um pássaro, o menino se desprendeu da mãe. Ela não percebeu, nem a dona da casa. Só ele sabia que avançava, tanta era a sua lentidão: assim é o imperceptível dos milagres.
Enfiou-se pelo corredor silencioso, farejando a descoberta. Deteve-se um instante. O ruído lúdico novamente o atraiu. A voz o chamava sem saber seu nome.
Então chegou à porta do quarto — e lá estava o outro menino, que logo se virou ao dar pela sua presença. Miraram-se, os olhos secos da diferença, mas já se molhando por dentro, amolecendo. O outro não lhe perguntou quem era, nem de onde vinha. Disse apenas: Quer brincar? Queria. O sol renasceu nele. Fazia muito tempo que precisava desse novo amigo.”