Vamos colocar uns pontos nos “is” no caso da suspensão do WhatsApp.
Na contramão da opinião geral que circula pelo Facebook (e outras redes sociais), acho, sim, que a empresa de Mark Zuckerberg falhou ao não disponibilizar, no tempo requisitado, os dados pedidos pela Justiça. Estava sendo investigado um homem acusado de latrocínio, tráfico de drogas e associação com o grupo criminoso paulista Primeiro Comando da Capital, o PCC. De forma lacônica, o Facebook, dono do WhatsApp, não forneceu informações requisitadas pela juíza do caso. Em outras palavras, não quis, mesmo sob ordem judicial, compartilhar dados de um criminoso que possivelmente usa o serviço de comunicação para cometer delitos. Pela obstrução às investigações, a empresa tinha de ser punida.
Foi excessiva – e resultado de uma má interpretação do Marco Civil da internet brasileira – a decisão da juíza? Talvez. Cancelar o serviço, usado por 100 milhões de brasileiros, representa, no mínimo, pular alguns degraus na escada de ações que deveriam ter sido tomadas. Por exemplo, antes, o diretor-geral da empresa poderia ter sido intimado – como já ocorreu com o Google, em caso judicial similar.
Em acréscimo, o Marco Civil brasileiro, diferentemente do que pensou a juíza, não chancela o cancelamento do serviço. O que ele diz é que se pode suspender a “coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e aplicações de internet”. Confuso? Explico: no lugar de desaparecer com o app, a opção seria não permitir que o Facebook se aproveitasse dos dados coletados de usuários brasileiros. Assim, iria doer mais para a companhia: bem no bolso, pois é a partir da coleta de dados privados que a rede social ganha seu dinheiro.
Mesmo assim, punições eram merecidas. E não seriam precipitadas. Também ao contrário do que se espalha pelo burburinho do mundo digital, a atitude não foi “de um dia para o outro”. Desde julho deste ano o Facebook é notificado, por mais de uma vez, a fornecer as informações. E não respondeu. Valeria, então, multar pesadamente a companhia, proibir a coleta de dados (como explicado acima), ou mesmo intimar representantes legais da empresa.
O Facebook se postou em cima de um pedestal, acima do sistema judiciário de uma nação. E não é a primeira vez que faz isso. Estando imerso no mundo da tecnologia, já ouvi de fontes diversas que a empresa alega, recorrentemente, que não responde legalmente pelo WhatsApp no Brasil. Mais que isso, diz que o aplicativo é de uma empresa independente, que opera fora do país.
Como assim? O app tem 100 milhões de usuários por aqui. O Facebook comprou o WhatsApp por mais de 20 bilhões de dólares. E tem, sim, um escritório, de bom porte, em São Paulo. Ou seja, que tipo de desculpa é dizer que não está no Brasil? De quem, então, seria a responsabilidade de gerenciar o serviço em território nacional? Na prática, as respostas do Facebook não passam de justificativas para se desvencilhar de um problema que é dele.
É tradição da maior rede social se achar superior a leis nacionais. Há outros exemplos, como pela forma como tenta impor seu projeto internet.org, uma iniciativa de marketing transvestida de bom-mocismo (para saber mais, leia esta reportagem). Governos, porém, não podem deixar que uma empresa, solitária, se ache acima da lei.
A prova dessa posição do Facebook está, inclusive, embutida no discurso de Jan Koum, criador do WhatsApp, para quem o Brasil se “isolou do mundo” ao proibir o app por umas horas. Isso é balela! Há outras opções de serviços, inclusive o Messenger, do mesmo dono, que permitem que os brasileiros não se “isolem”. Não se engane: não houve censura nesta história.
Já Mark Zuckerberg firmou, em seu perfil no Facebook: “Este é um dia triste para o país. Até hoje o Brasil tem sido um importante aliado na criação de uma internet aberta. (…) Estou chocado que nossos esforços em proteger dados pessoais poderiam resultar na punição de todos os usuários brasileiros”.
Com licença, mas o Brasil não está “triste” por esse motivo. Há muitas outras histórias bem mais “tristes” rolando por aqui, que se sobrepõem aos problemas judiciais enfrentados por uma empresa – ninguém suspendeu serviços de comunicação de concorrentes deles, por exemplo. Em acréscimo, nada aponta para um “fechamento” da internet brasileira. Felizmente, o Brasil continua bem “aberto” nesse quesito.
Para acompanhar este blog, siga VEJA no Twitter e no Facebook.
Também compartilharei as atualizações pelo meu Twitter: @FilipeVilicic.