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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Quais de suas conversas o Facebook realmente ouvia?

Outra crise ronda a rede: revelou-se que áudios privados de usuários eram transcritos por empresas contratadas para tal. Mas, afinal, o que o site escutava?

Por Filipe Vilicic 14 ago 2019, 14h02
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  • Sim, é preciso debater os limites do Facebook em coletar dados privados de todos nós. Assim como é importante refletir sobre os limites das pessoas que usam o Facebook – e como fazer para impor regras que visam, por exemplo, combater a disseminação de terrorismo, diversos outros tipos de crimes, ou mesmo fake news, pela plataforma de Mark Zuckerberg. Porém, no meio dessa discussão ainda tão recente, e tão acalorada, é necessário também colocar essas questões em perspectiva. O que se aplica ao novo escândalo a atingir a companhia: a Bloomberg descobriu que o site passava áudios das pessoas para serem transcritos por outras empresas, contratadas para tal. Ou seja, aquilo que você falou com sua esposa, seu marido, seu amigo, ou mesmo sua amante, pode ter ido parar nos ouvidos do Facebook – e de um desconhecido, de carne e osso, que nada tem a ver com a sua vida.

    Para existir uma rede social, que conecta pessoas – e ainda mais uma de acesso gratuito; e que precisa, portanto, arranjar dinheiro de alguma forma (no caso, vendendo serviços que direta ou indiretamente tem a ver com as informações compartilhadas por meio do site) –, faz parte do jogo fornecer alguns dados privados para essa mídia. Em um site como o Facebook também é comum que, em meio a posts comezinhos, pintem indivíduos que querem utilizar a força de megafone para espalhar ideias perigosas, preconceitos e cometer crimes. Condena-se, com razão, o Facebook por esse aspecto. Por outro lado, para conter essa onda, revela-se mais uma vez a necessidade de fornecer informações privadas (incluindo de terroristas e de criminosos) à rede.

    Logo, vamos encarar:  todas as redes sociais, do Facebook ao YouTube, usufruem de informações de nossas vidas como forma de existirem (e ganharem bilhões de dólares). Feitas as ponderações, é urgente que a sociedade imponha limites a essa prática.

    Já é difícil de numerar todos os escândalos que atingiram Zuckerberg e cia nos últimos anos. O principal deles foi o que envolveu a consultoria política Cambridge Analytica, o Brexit na Inglaterra e as eleições presidenciais estadunidenses de 2016. O que une todas as histórias escandalosas: a discussão em torno de até onde pode ser escancarada a privacidade dos adeptos do Facebook – e também de WhatsApp e Instagram, ambos de propriedade do mesmo conglomerado; assim como, por extensão, de todas as mídias sociais, como Twitter e YouTube.

    A mais nova crise é a que envolve o Facebook ouvir conversas das pessoas. Em resumo, a rede social colhia os áudios do Messenger, o serviço de bate-papos reservados (Será que fazia o mesmo no WhatsApp? Ainda não dá para afirmar que sim, nem que não). Depois, passava as falas a empresas terceirizadas que as transcreviam. Com qual objetivo? “Treinar” a inteligência artificial para detectar e compreender automaticamente o que falamos.

    Todo o processo pode ser tido como antiético e/ou imoral. No entanto, vale agora uns “pingos nos is”. Com informações de bastidores colhidas por este blog.

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    Para começar, só eram escrutinadas as conversas daqueles que se voluntariaram para tal. Os indivíduos tinham de concordar em ter seus áudios transcritos. No jargão do meio, havia o “opt in”.

    Além disso, não eram transmitidas, às empresas que depois faziam a transcrição, os papos completos. O que se passava eram trechos a serem redigidos. Assim como rementes e destinatários eram mantidos em anonimato ao longo do processo.

    Então, se você aceitou o “opt in”, mesmo assim o Facebook não ia repassar tudo aquilo que você papeou com alguém que conheceu no Tinder, e passou a ter conversas apimentadas no Messenger. Seriam coletadas passagens como “oi, benzinho (…) vamos ou não vamos (…) motel hoje”. Algo assim, sem dar nomes aos bois, nem transparecer o que seriam os “(…)”.

    Entretanto, há os poréns. E são vários. A começar, persiste o problema de as pessoas ainda não estarem acostumadas a ler tudo com a qual concordam na internet. Em especial, nas chamadas novas mídias. Quem aí nunca simplesmente clicou em “concordo com tudo” ao se inscrever em um site, um app, o que for?

    O Facebook tem consciência desse problema. Não seria, então, necessário deixar ainda mais claro o que aceitamos ao navegar pelos sites e apps? É preciso, para ser justo, apontar que o Facebook tem se esforçado para ser mais transparente nesse sentido. Todavia, aparenta-se que ainda faltam muitos passos para chegar a um bom equilíbrio.

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    Tanto que não eram evidentes alguns dos detalhes do procedimento escancarado pela Bloomberg. Por exemplo, não estava tão claro como eram utilizados os áudios, para qual fim, e muito menos que esse conteúdo era repassado para a análise de terceirizados – portanto, esses áudios saíam dos muros do próprio Facebook.

    Apontar o dedo tão-somente a Zuckerberg, por essa falha, é, por outro lado, injusto. Outras empresas tinham estratégia similar, com metas igualmente similares: aprimorar a inteligência artificial. Caso da Amazon e da Apple.

    Logo, é importante que se discutam não só os métodos do Facebook, como também de todos os que utilizam dados privados de seus clientes, seja por qual motivo for. E nessa categoria se encontram praticamente todas as maiores empresas de tecnologia deste século. Sejam as do Vale do Silício, ou as da China, ou as da Rússia.

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    Caso não queiramos que nossas conversas, por quais dispositivos forem, por Messenger ou Telegram, continuem a ser escutadas por estranhos, essa é a discussão que pode ser levantada. E não só o debate deve ser erguido. É preciso que este leve a conclusões que impulsionem formas de fiscalizar o trabalho dessas companhias. E a única forma de se alcançar isso é continuar com as revelações das táticas duvidosas que ainda são utilizadas pelas gigantes do mundo digital.

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