Nos últimos anos, proliferaram-se livros de autoria de youtubers. Teriam eles tanto a falar? Nada disso. A onda se deve a outro motivo, um demasiadamente humano: provou-se que as obras vendem bem, dão lucro. Logo, muitas dessas produções, como as de Kéfera Buchmann ou de Christian Figueiredo, viraram best-sellers, liderando lista de vendas, como a organizada por VEJA. Mesmo que o fenômeno não tenha marcado a literatura nacional pela qualidade de seus frutos, ajudou a alimentar a indústria em meio à aguda crise brasileira. Nesse meio, Felipe Neto – cujo perfil, escrito por este colunista, está na revista desta semana – publicou dois títulos. Um livro daqueles mais costumeiros e, o outro, o que chama de “livrão”, do tipo dos almanaques infantis que se encontravam aos montes nas bancas dos idos de 1980 e 1990.
Quando se pergunta a um, digamos, adulto de mais de seus 30 anos sobre a penca de livros lançados por youtubers, a resposta usual é algo na linha “tudo perda de tempo”. Isso para ser delicado na constatação, pois usualmente a resposta envolve críticas mais duras, quando não xingamentos. Em especial quando esse adulto é um escritor, ou candidato a escritor, ou autodenominado bibliófilo. No entanto, se a essa questão for emendada outra, “mas você já leu alguma dessas obras?”, normalmente a resposta é negativa.
Ou seja, sem ler, sem se informar sobre, parece que todos já julgam como risível (no pior sentido do termo) qualquer coisa que venha de um youtuber, mas fora do YouTube. Assim como alguns intelectuais, sem muito pesquisar sobre, chegam a chamar os “influenciadores digitais” (ah, como acho sem sentido esse termo tão didático) de decepcionantes. Isso sem nem conferir os vídeos, blogs e afins dos mesmos. É como o povo da internet que começa a espalhar coisas por aí após ler tão-somente a manchete com a qual se depararam no Facebook sobre essas mesmas “coisas”.
Felipe Neto passou por isso com seu primeiro livro, de 2013, o Não Faz Sentido – Por trás das câmeras. Por exemplo, o título foi colocado numa lista de “10 livros para idiotas” de uma publicação cult. Poderia ser justo, se não fosse um porém: Felipe questionou o responsável por tal ranking se ele havia ao menos lido o “Não Faz Sentido”. Resposta: não. Criticou a obra, sem lê-la, nem uma página. Aí o youtuber lançou um desafio ao diretor da mesma publicação, na linha “leiam o livro e escrevam o que quiserem, mesmo espinafrando; se fizerem isso, compartilho em meus perfis em redes sociais (à época, já seguidos por milhões de fãs)”. Após um crítico realmente ler o Não Faz Sentido, não é que ele gostou e fez uma resenha balanceada…
Após essa digressão, voltemos ao tópico: “Os livros de Felipe Neto valem a leitura?”. Por obrigações profissionais, li grande parte dos livros publicados por youtubers. Tem um, por exemplo, de um rapaz apelidado de Japa, no qual a parte que mais se “destaca” (sinto-me obrigado a inserir as aspas) é uma na qual ele narra como foi perder a virgindade com uma youtuber, Maju Trindade, então sua namorada. O título serve de exemplo máximo de como é a maioria desses livros (e digo isso, repito, tendo conferido boa parte dos mesmos): Japa não o escreveu, o que ficou a cargo de um ghost-writer; se não bastasse, não leu o resultado, e se soube disso pela desculpa dele para ter exposto sua ex ter sido a de que nem sabia que isso seria inserido no livro, que em teoria ele teria escrito; e a obra é um grande diário de tom autobiográfico feito por alguém que nem tem tempo de vida suficiente, ou experiências interessantes ao ponto de, para narrar isso em um texto com páginas que parecem nunca acabar.
É verdade: a grande maioria dos livros de youtubers representa uma (enorme) perda de tempo. Eles podem ser divididos em: biografias sem muito conteúdo; compilações de causos engraçadinhos; ou guias de dicas para “…” (preencha o “…” com o que quer que seja que o youtuber faz na internet; ou, ainda, com “como se dar bem no YouTube ou no Instagram”). Mas há exceções. As obras de Kéfera e de Christian são exemplos.
Desculpe, voltei a divagar. Voltemos ao ponto: Os livros de Felipe Neto valem a leitura?
O último, lançado em setembro do ano passado, já ultrapassou os 160 mil exemplares e, apenas com quatro meses de venda em 2017, tornou-se uma das obras mais bem-sucedidas do mercado brasileiro no ano passado. No entanto, o tal livro, na real, não é bem um livro. Volto a repetir: parece aqueles almanaques da Turma da Mônica, especialmente populares nos anos 80 e 90. Fãs (em especial, crianças de uns 7 anos de idade) vão se divertir, brincando de colorir o cabelo do ídolo, ou de jogos como os de “liga-pontos” e o “dos 7 erros”.
Como não é um livro, não pode ser criticado como tal. Mas, sim, como o almanaque, ou “livrão” (se preferir o termo usado pela equipe de Felipe), que é. Nesse sentido, funciona.
Tem pontos interessantes, como um texto no qual o youtuber fala de sua depressão – informativo útil para os jovens de uma geração que, cada vez mais cedo, tem contato com temas áridos, via o mundaréu de blá blá blá não peneirado da internet. Assim como alguns deslizes. Um deles é, num almanacão, propor uma brincadeira chamada “Casa, Mata ou Trepa” para crianças que talvez ainda nem saibam direito o que é casar, matar ou trepar, pelos significados mais maduros das três palavras. Tanto que, em seu canal, Felipe já mudou para “Casa, Mata ou Beija”. Em seus shows, só pais participam do jogo – e, no YouTube, apenas adultos (celebridades). Num resumo: pode ser excitante para aqueles fãs que querem saber tudo, qualquer coisa, dele; e talvez para os pais que pretendem conhecer melhor o cara que está influenciando a cabeça de seus filhos. Mas para aí.
Agora, e quanto ao trabalho anterior de Felipe Neto, o “Não Faz Sentido”, que ilustrou a lista de “10 livros para idiotas”. Esse, sim, é um livro, no sentido tradicional do vocábulo. Logo, deve ser avaliado como tal.
Começo com um spoiler: não, não é para idiotas. À primeira vista, julgando pela capa, parece uma biografia (daquelas para idiotas, mesmo). No entanto, também não é isso. Assim como não é um guia para quem quer se dar bem no YouTube, muito menos uma compilação de histórias bobinhas. O que é? Trata-se de uma narrativa de não-ficção sobre uma aventura específica vivida por Felipe: a do YouTube. Como foi surgir, assim, do nada, na internet, estourar, ser adorado e odiado por milhões, e se ver atropelado pela fama, pelo dinheiro e pelas mulheres? O texto se propõe a isso. E ele faz sentido.
Felipe já ganha pontos por não ter utilizado um ghost-writer. Não só ele jura que não fez isso, como é perceptível a qualquer um que já tenha visto um vídeo do youtuber. Sua voz está na obra, com histórias cheias de digressões como este texto, piadinhas tolas, mas engraçadas – muitas das quais acerca das fofocas de que ele seria gay –, e zoeiras com famosos de seu meio, que então era não só o do YouTube, mas também o dos ídolos dos adolescentes (o ramo ao qual pertencia a MTV, para se ter um contexto).
A escrita, em si, não é primorosa. Só que também nem tenta ser. Há, sim, algumas repetições exageradas de informações, picuinhas que se estendem mais do que deveriam, e outras falhas menores, que poderiam não ter passado na edição. Mas ninguém que abre o livro deveria esperar um texto de primor, do nível de um Guimarães Rosa. Né?
Por que, então, vale a leitura? São três os motivos principais.
1º Trata-se de uma aventura, descrita de forma honesta, transparente, de como um anônimo pode, em alguns minutos, se tornar ultrafamoso neste século XXI, o da internet, das redes sociais, do YouTube. Sem ponderações politicamente corretas, ou excesso de carinho no ego. Felipe fala, por exemplo, de como isso o levou: à depressão e à síndrome do pânico; a ser uma pessoa muitas vezes desprezível, por efeito do excesso de holofotes; a ter de se reinventar repetidas vezes para se adaptar a um fenômeno ainda pouco conhecido e que não parava de ganhar direções distintas; e a amadurecer precocemente.
2º É uma leitura esclarecedora a quem busca compreender um pouco mais da nova indústria de entretenimento que está em formação, as mentes das últimas duas gerações de jovens, e ainda como bobagens lançadas na web, a exemplo da expressão “fiukar” (entenda no livro dele; ou dando um google), ganham dimensões antes inimagináveis.
3º A quem conhece o Felipe Neto de hoje, seja um fã, ou o pai de um fã, será interessante notar a evolução rápida do famosinho de 2013 para o empreendedor-celebridade de hoje. Em apenas cinco anos, Felipe se tornou mais progressista e, também, em alguns aspectos, similar (de forma inesperada ou programada) a fenômenos que ele ridicularizava em seu Não Faz Sentido no YouTube.
O youtuber tirava sarro de celebridades adolescentes e, no fim, tornou-se uma. Fazia piada com o termo “família”, mas agora tem sua Família Neto. Parecia não gostar de quem apelidava fãs e os tratava com carinho excessivo. Agora, chama os seus de “corujas” e agradece a eles em todos os seus espetáculos (lotados!). Antes, era um garoto em formação. Hoje, um adulto.
De formas diversas, a evolução de Felipe ao longo de seu próprio livro de 2013, somada à observação de em quem ele se transformou, serve como retrato da necessidade — cada vez mais pulsante numa era de tweets, virais e redes sociais que se substituem — de se remodelar constantemente, amadurecendo, evoluindo.
Prova desse progresso é a réplica dada por ele, e dita a mim, às críticas que o cercam, muitas vezes com corpo de ódio: “Quem faz muito sucesso, muita fama, sempre será alvo de haters de todos os tipos. Há muitos que, e por exemplo, detonam o que faço, sem nem ver, nem ler, pois são, na real, frustrados com a própria vida. Gente que não consegue lançar um best-seller e, por isso, só consegue viver se detonar os best-sellers lançados por outros.”
EM TEMPO
Felipe conta que, mesmo que seu livro “Não Faz Sentido” não tenha vendido tanto quanto ele esperava (foram por volta de 16 mil cópias), há planos para um dia lançar uma sequência.
Assim como ele conjectura ter um livrão novo, agora em conjunto com seu irmão, Luccas, além de dois longas-metragens no cinema.
No mínimo, vale levar a sério o que ele faz.
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