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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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A Amazon ‘premium’ de R$ 9,90 levará ao caos da série Years and Years?

Anúncio de assinatura barata do site, mas “com tudo que possa imaginar”, leva a indagações sobre para onde as novas tecnologias têm levado a civilização

Por Filipe Vilicic Atualizado em 11 set 2019, 17h23 - Publicado em 11 set 2019, 16h53
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  • Tive três reações, em uma cadeia de pensamentos, ao saber da chegada do serviço vip da Amazon, o Prime, ao Brasil. Recebi a notícia, primeiro, pelo olhar do consumidor. “Filmes, séries, música, entrega rápida de produtos, livros, revistas, por… míseros 9,90 mensais. Vou cancelar várias assinaturas que tenho para ficar só com isso”. Quase que de imediato, ocorreu-me o segundo pensamento. “Agora chegou o ‘efeito Amazon’ ao Brasil. Aposto que vai desafiar os sistemas de logística, acabar com sites locais de e-commerce, e… O que serão das lojinhas de bairro, depois que a Amazon começar a entregar tudo mais rápido do que eu levaria para calçar os sapatos, pegar o carro e percorrer quatro quadras para comprar algo?”. Aí me veio a reflexão mais tenebrosa. Lembrei de um marcante discurso realizado pela matriarca da família que guia a história da impactante série Years and Years, da HBO (pra saber mais dessa série, clique no link).

    “É tudo nossa culpa”, começa a personagem Muriel Deacon. Ela se refere ao caos que se encontra o mundo da série, em algo como uma década após este 2019 no qual vivemos. Muitos trabalhadores se veem suando a camisa, e ganhando pouquíssimo, em empregos que se aproximam cada vez mais do conceito de servidão da era do Feudalismo – afinal, robôs, softwares, os expulsaram de seus empregos regulares. A política foi tomada por extremistas, de direita e de esquerda. Crises econômicas, campos de concentração, guerras nucleares… a civilização é colocada em xeque. A quem a sábia matriarca, com idade em torno de 100 anos, culpa? “É tudo nossa culpa”, frisa, com total razão.

    Para ela, como começou o caos? “A camiseta de 1 libra. Ninguém resiste a ela. Uma barganha. Mas aí o lojista leva dela meros 5 centavos. Para fazê-la, o camponês fica com 0,01 centavo”. Seria a aceitação desse sistema de exploração que teria levado a sociedade a quebrar (em muitos, quase todos, os aspectos). “Começou no supermercado. Quando trocaram as mulheres nos caixas por caixas automáticos. Ninguém fez nada. Agora todas essas mulheres se foram (perderam seus empregos). Nós deixamos isso acontecer. E gostamos disso. Queremos isso. Para não ter mais de olhar nos olhos dessas mulheres”. E Deacon termina o discurso, que pelos olhos de hoje parece profético: “É nossa culpa. Esse é o mundo que nós construímos”. O vídeo com esse trecho de Years and Years viralizou na internet (em múltiplas versões).

    Os 9,90 reais do pacote Prime da Amazon é a atual camiseta de 1 libra (libra que já vale uns 5 reais)? O efeito do Prime da Amazon também pode ser o da camiseta de 1 libra citada pela matriarca. A concorrência nacional da Amazon – que já sofre perdas na bolsa brasileira – é a primeira a sentir o impacto. Alguns podem pensar “E daí? São só uns ricos brasileiros perdendo para os gringos”. Todavia, essa é a primeira peça do dominó de Muriel Deacon.

    O próximo passo pode ser o fechamento das lojas de bairro. Como se manterão, se todos podem comprar rapidamente na Amazon? As lojas de bairro representam, na lógica, a mulher do caixa, substituída por uma inteligência artificial. Para não ter de calçar os sapatos, andar na rua, olhar o vendedor nos olhos, destruiremos os mercadinhos, em favor do mercado online de tudo, e vindo dos Estados Unidos.

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    O que teria também por trás dos 9,90 da Amazon? Aqui, não falo de uma teoria da conspiração qualquer. Será que o operário da distribuição, da logística, da fábrica na China que produz os produtos vendidos pelo site de Jeff Bezos, o homem mais rico do planeta, ganham muito mais que o camponês de Years and Years? Quem será o próximo a perder o emprego diante do “efeito Amazon”?

    Em Years and Years, árbitros de futebol, analistas financeiros, e tantos outros, se viram trocados por robôs. Quer dizer que eles passaram a não mais trabalhar? Nada disso. Entraram para a “economia colaborativa”. Passaram a ganhar trocados, sem direitos trabalhistas, para realizar toda sorte de serviço, em jornadas de doze horas (ou mais), e sem ganhar pelo expediente excedente.

    Na série, em consequência que já pode ser sentida também na realidade do ano de 2019, um dos efeitos desse dominó é o aumento do abismo social. A desigualdade entre ricos e pobres se torna mais aguda. Enquanto alguns celebram a nova economia que se impõe, acelerando carros esportivos por Londres, a grande maioria da população conta trocados para comprar comida e se vê isolada em bairros pobres afastados – enquanto outros ainda menos privilegiados, como refugiados, são largados em situações bem, bem, piores.

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    Portanto, urgem algumas questões. Seria o 9,90 da Amazon Prime a camiseta de 1 libra de Years and Years? E seria a Amazon, como um todo, o robô que substitui os vendedores nos caixas de supermercados?

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