Mark Zuckerberg, o manda-chuva do Facebook, anunciou faz pouco tempo que a rede social passará a valorizar mais conteúdo tido como pessoal, aquele postado por familiares e amigos, do que o publicado por empresas e organizações de mídia em seus perfis – mesmo quando os mesmos são curtidos e seguidos por pessoas às quais a informação que se quer não mais chegará. A nova posição pareceu, à primeira vista, incoerente. Afinal, uns meses antes o Facebook proliferava o contrário, que iria dar maior relevância, na timeline, aos frutos do bom jornalismo, como forma de conter a disseminação de fofocas e mentiras (ou, se preferir, as fake news) pela página e para aproximar a plateia daquilo que ela realmente gostaria de ver. Só que, um ano antes, a icônica marca do Vale do Silício tinha ainda outro discurso: não achava tão importante esse debate acerca de manipulação de informações, notícias falsas e de interferência de russos em eleições realizadas noutros países. Isso tudo seria pequeno diante do mundaréu de informações que circula dentre a população do Facebook.
Ou seja, o que se sabe sobre a empresa por trás da rede, ou, ainda, da própria rede social, é que ela muda de configuração, de opinião, de tendência, de direção, conforme a maré indica. Debati, em várias situações, essa questão neste espaço: destaquei como não seria ruim se o site fosse mesmo só para papos entre amigos; que a nova manobra, de diminuir o destaque dado ao conteúdo jornalístico, seria providencial para incentivar o bom jornalismo; e que, no fim, iniciativas como a da Folha de S. Paulo, de zarpar do Facebook, devem ser vistas com bons olhos. No fim, a real é que o Facebook tomou direções não esperadas pelo seu criador, arranjou problemas igualmente não esperados, e agora parece manobrar, como pode, e quase que de improviso, para ou lidar com essas novas questões, ou se livrar das mesmas.
Só que há ainda outro porém. Uma lombada que faz do Facebook tudo aquilo que parecia que, ao menos num passado de ideais, ele não queria ser. Tudo ao que a rede social se propõe, incluindo sua missão, desaba diante de uma atitude simples: caso se pague por um anúncio nela. Quem compra a publicidade fura mesmo as concepções mais moralistas da rede.
Esse aspecto se revela, por exemplo, quando se trata de conteúdo jornalístico. Hoje, o Facebook busca não valorizar esse tipo de informação. Links que contenham notícias perdem, cada vez mais, relevância na timeline. A proposta por trás desse cenário pode ser discutível, mas também poderia ser respeitável.
A ideia é que a população do Facebook tenha maior contato com pessoas realmente próximas, como seus amigos e familiares, e não com marcas, mídias de cunho profissional, anunciantes. Isso mesmo que tal medida signifique conceder menor valor a textos primorosos, ou ao menos cujos fatos são devidamente checados, e maior relevância a falácias e fofocas que, como qualquer mentira, viajam rapidamente no impulso das ondas do sensacionalismo e das crenças dos mais incautos em teorias da conspiração e afins. Ou, ainda, motivadas por uma característica bem humana, demasiadamente humana: a preguiça em se informar, em ler / ver mais, mesmo quando se quer mostrar a outrem que se é informado; a solução do dilema é se contentar apenas com posts e manchetes e, com isso, fingir-se de informado e culto.
Desculpe a leve digressão; nesses tempos online, afinal, poucos têm paciência para ler “textões”. O que quis afirmar é bem simples: caso o Facebook fosse realmente fiel à sua nova posição e à comunidade que diz que quer construir, seria respeitável, mesmo que criticável. No entanto, essa não é a verdade.
A mais louvável das missões do Facebook era traduzida pela própria companhia assim: “Dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado”. A isso, executivos da empresa acrescentavam que, internamente, era clara a meta de aproximar cada um dos cidadãos de seus interesses, de informações que queriam ter, muitas vezes nem sabendo dessa intenção.
Essa seria, portanto, uma das grandes metas do algoritmo da rede social: mostrar à população aquilo que se quer saber, baseado em gostos, em leituras, em comportamentos. Ou assim era num passado que começa a parecer longínquo, mesmo que não tanto assim separado pelos anos.
Por trás da cortina do marketing tem ocorrido o contrário de tudo o que o Facebook prega. Para começar, se alguém hoje declara interesse, por exemplo, pelo perfil de uma revista, um jornal, uma emissora de TV, um canal de YouTube, isso não quer dizer que se receberá na timeline o que essa revista, esse jornal, essa emissora de TV, esse canal de YouTube, publica. O algoritmo, na real, tem é o trabalho de fazer com que esses posts nunca cheguem aos fãs da revista, do jornal, da emissora de TV, do canal de YouTube. Ou seja, é balela aquilo de tornar o mundo mais conectado e aproximar os indivíduos de seus interesses. Provarei.
Testei essa lógica, ou falta de lógica (à preferência), do site. Em meu perfil público no Facebook, a própria rede social me revela que os posts publicados são entregues a menos de 5% dos que seguem a página – mesmo que, ao declarar a “curtida”, os seguidores demonstrem interesse por esses mesmos posts. Poderia, sim, ser uma manobra de valorizar mais o que vem de amigos, em vez de o que é dito por um desconhecido que se curte. Só que não é isso.
Há a opção de pagar para que uma publicação, qual for ela, chegue a mais pessoas. E uma das opções de filtro do público para o anúncio é das mais incoerentes (e um tanto risível): “pessoas que curtiram sua página”. Ou seja, para algo chegar mesmo àqueles que declaram interesse por esse algo, é preciso dar uma graninha ao Facebook.
Indo além, quis testar se havia uma forma de um conteúdo realmente atingir o público que se interessa por ele. Para tal, paguei (pouco, uns 20 reais) para que um post que fiz sobre os livros de um youtuber chegasse a quem… tivesse declarado, de forma espontânea, interesse por esse mesmo youtuber. Com isso, o alcance da mesma publicação, antes de menos de 100 indivíduos (aqueles cerca de 5% do público total), chegou próximo a 10 000 pessoas. Facebookianos que, destaco, tinham real interesse pelo assunto (tanto que clicaram no link, comentaram, quiseram saber mais). A informação só não tinha chego a eles porque o Facebook declarava que parte de sua nova missão seria diminuir a relevância de produções jornalísticas como essa. Mas bastou desembolsar um cascalho para subornar o algoritmo do site e fazer com que a mesma produção jornalística reverberasse.
Em pontos deste texto, tratei os usuários do Facebook como uma população. Tem motivo. Com frequência a rede social, com acima de 2 bilhões de cadastrados, é comparada a um país. Se fosse um, seria o maior do mundo. Ocorre que em toda sociedade (ainda mais com tantos seres humanos, bilhões deles, num mesmo lugar) se criam normas, condutas, leis (mesmo que informais) etc. Além disso, elegem-se líderes, sendo que alguns desses podem ser impostos por uma força superior. No Facebook, o líder supremo é Mark Zuckerberg. No país facebookiano, ele é o ditador que, enfim, dita o que acredita. E todo mundo vai atrás. Como se trata de uma empresa, não um governo, ele pode fazer isso, afinal.
Sim, pode, sim. Mas, ao mesmo tempo, é praticamente impossível desprezar como suas atitudes acabam por transformar a vida dos 2 bilhões da população facebookiana. E não só, evidentemente, a rotina virtual. O país Facebook já se provou capaz de ditar tendências bem terrenas, de influir nas eleições de outras nações, de levar pessoas ao delírio, ao gozo da vida, e também à depressão, ao suicídio ou homicídio transmitido ao vivo por algum vídeo dos chamados “lives”.
Nesse cenário, o algoritmo da rede social deixa de ser simplesmente um código de guia para um sistema operacional qualquer. Ao algoritmo cabe a atuação como uma polícia, um exército, um censor, um ministério completo. É a mão robótica de seu mestre. A que se propõe hoje esse algoritmo superpoderoso? A incentivar a cacofonia, a reprimir a imprensa, a punir costumes não afeitos aos desejos de seu comandante, a atuar como uma espécie de braço digitalizado da autocracia à qual serve.
Porém, o algoritmo policial e censor faz isso não pelos mesmos motivos que fariam os perseguidores profissionais contratados por uma ditadura terrena. Ele executa suas tarefas criticáveis aparentemente com a única intensão de abrir brechas para que, no mundo facebookiano, uma elite possa burlar todos os limites impostos. Quem suborna o algoritmo, por meio de um anúncio, fura bloqueios, ultrapassa fronteiras, torna-se um nobre entre plebeus, o diferente entre os iguais.
Quem suborna o algoritmo pode falar o que quiser, a quem quiser, do jeito que quiser, mesmo que isso implique, por exemplo, em levar um conteúdo duvidoso ou, digamos assim, maduro, a um público de seus 13 anos. Como? É simples: basta pagar um pouco mais para que esse algo que se quer dizer chegue a quem tem 13 anos, destruindo os impedimentos que forem (mesmo os que poderiam ser impostos pelos pais de um integrante desse público de 13 anos de idade).
O Facebook é um novo país, não se engane. Mesmo que seja um virtual e que pode ruir a qualquer momento; bastaria sair de moda. Logo, aja dentro dele como se age dentro de uma nação. Uma do gênero autocrata. E desconfie de seus comandantes como costumamos duvidar de nossos políticos. Ou assim sugiro aos que não querem ser tão-somente mais uma ovelha facebookiana.
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