A greve dos caminhoneiros nos revelou muito sobre os brasileiros. Por exemplo, como há uma dificuldade de ser coerente nas próprias opiniões – a maioria segue só os instintos mais primitivos e automáticos ao postar o que for no Twitter (debato esse fenômeno da neurociência no vídeo mais abaixo). E também ajudou a evidenciar não só o quanto o ser humano médio é estúpido e, sem a menor noção da própria ignorância – socráticos se reviram de revolta em seus túmulos –, não têm vergonha de expor a imbecilidade nas redes sociais e via WhatsApp. O que aconteceu no curso da humanidade que levou à proliferação de ignorantes não cientes dos próprios limites (eu, como seria um socrático, ao menos assumo o que não sei; nada manjo de futebol, por exemplo)?
Não culpe as próprias redes sociais, nem o WhatsApp. A explicação vem de nossos cérebros. Ou seja, é tudo reflexo do que é o ser humano em sua configuração ancestral. A moderna neurociência explica que agimos de duas formas: por instinto, no automático; ou no manual, raciocinando muito antes de tomar qualquer atitude. Na internet, a grande maioria parece não ter receio algum em optar pelo primitivismo.
Assim se proliferam ofensas sem conteúdo como “esquerdopata”, “petralha” e “coxinhas” para designar qualquer coisa que for contra as próprias convicções estomacais – isso porque os que recorrem a tais artifícios não sabem bem usufruir das habilidades de nosso cérebro moldado pela evolução. Esse povo específico da internet nada sabe sobre as origens francesas dos termos “direita” e “esquerda”. Também só finge entender quando se fala em liberalismo, neoliberalismo, socialismo e comunismo.
Quer prova disso? Diga a algum representante desse gênero extremista facebookiano algo como “sou neoliberal, mas estou à esquerda em relação a valores morais”. Testei isso com uns do tipo “povo estúpido do WhatsApp”. Aí o Tico e Teco deles não se entenderam. Não sabiam se eu era um esquerdopata ou um coxinha. Por quê? Pois eles na real jamais estudaram (nem deram um Google ou leram no Wikipedia, ao menos) acerca desses temas todos que versam no Twitter como sabichões.
Só que voltemos à dúvida central: por que é assim?
No passado essas asneiras só eram faladas na mesa de bar, entre amigos, ou em recantos escondidos, como na privacidade de nossos lares. Havia certa vergonha de ditar ignorâncias, pois no mundo real alguém pode se levantar do nada e dizer “Cara, sou especialista de fato nesse assunto e você tá falando besteira atrás de besteira”. Eu, por exemplo, jamais arriscaria uma análise sobre o último jogo da seleção. Não encararia, pois não tenho interesse e, por isso, não pesquisei sobre isso. Logo, não gostaria de falar besteira em meio a amigos experts no tema.
Mas aí surgiu a internet. E, em especial, as redes sociais. Agora exige certa paciência, um respirar fundo, para compreender que no online a soma de muitos posts ignorantes pode tomar uma dimensão enorme, espalhando a estupidez. Como surgiram nos últimos tempos alguns exemplares boçais apontando Kim Kataguiri e Rachel Sheherazade, que sempre exibem discursos conservadores e de direita, como se fossem de esquerda. Alexandre Frota curtiu a onda e tirou sarro de ambos. Mas não duvido que logo mais o ex-ator pornô também será chamado de comunista por qualquer um aí que não tem ideia do que é comunismo.
Os que apelidam qualquer um “do contra” como esquerdopata têm feito isso, no Brasil, geralmente quando esses se posicionam contra ideias do estúpido mor (ou ao menos finge ser) da nação Jair Bolsonaro. No caso, o totem da extrema direita, com seguidores que pedem pelo intervencionismo militar, começou apoiando a greve dos caminhoneiros – com o tempo, como é de costume com ele, não se sabia mais qual era sua opinião. Ao que Kataguiri e Sheherazade, em concordância com suas posturas conservadores e de direita, foram contra. Não deu outra: para os bolsonaristas, ambos viraram esquerdopatas.
Pois esse povo da internet acha que o Facebook é como o bar – e numa mesa só entre seus iguais. E tem um motivo psicológico para tal. No WhatsApp e nas redes sociais, por mais abertos que estes meios possam ser, se criam ciclos de amizades aproximadas por algoritmos. E o que faz o robô: junta somente aqueles que pensam da mesma forma. Por isso, ignorantes sobre um assunto (seja político ou futebolístico) se aproximam, construindo as já manjadas “bolhas”.
Sentem-se, assim, compilados a, dentro dessas bolhas, agir pelos instintos estomacais, no automático. Não importa se nada estudaram sobre as origens francesas de “direita” e “esquerda”. Usam os termos como bem entendem, normalmente só para atacar quem pensa o oposto a eles (mesmo que nunca tenham contato físico com estes), pois em seus meios virtuais só conversam mesmo com quem nunca estudou as origens francesas de “direita” e “esquerda”.
Entre seus iguais, o que importa é mais certificar os valores morais (posso chamar assim, será?; ou melhor seria falar em desvios morais?) do próprio grupo, tentando assim se certificar como pertencente ao mesmo coletivo. Viram ratinhos virtuais seguindo um flautista qualquer.
Justificativa para a proliferação online da estupidez, assim como já fora base para explicar como raios uma turba de alemães um dia resolveu seguir um cara de bigodinho esquisito, e ideias muito mais que esquisitas; ou como uma turma tem como verdade qualquer coisa que Donald Trump afirma, mesmo quando dados estatísticos e/ou científicos o negam; ou como alguns preferem ser cegos a crimes de seus ídolos (sejam eles petistas ou tucanos), para não serem expulsos de seus grupos. No fim, para esses, o que vale é apenas ficar bem na fita entre os seus. E que se danem os fatos, a ciência ou a empatia para com o outro.
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O vídeo que comentei acima, do programa semanal A Origem dos Bytes
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