O primeiro iPhone foi, sim, um produto revolucionário. Ele deu início ao mercado de apps, que nos presenteou com novidades como o Uber, o Waze, o Instagram, o Tinder, os assistentes pessoais como a Siri, joguinhos no estilo Angry Birds etc. Também nos apresentou a ideia de tela multitouch. Desvalorizou o papel dos PCs. Dentre muitas outras transformações que impactaram a rotina contemporânea, como mostrou reportagem recente de VEJA, assinada por mim. E ainda… inundou o mundo de selfies.
Sim, autorretratos sempre existiram. Mas não feitos em qualquer lugar, por qualquer motivo, e publicados em redes onde milhões de pessoas podem vê-los. Hoje, há quem literalmente coloque em risco a própria vida para tirar uma selfie perfeita. Existe até um verbete na Wikipedia dedicado a listar indivíduos que se machucaram ou morreram enquanto (e por causa de) faziam uma foto do tipo. Confira neste link. Há desde aqueles que foram atropelados por um trem, quanto uns que acabaram eletrocutados ou dispararam armas de fogo contra si, por acidente.
As selfies estão por todos os lados. Todos os dias, 1 milhão delas são clicadas ao redor do planeta. Somente no Instagram, 282 milhões de autofotos foram postadas entre 2011 e 2016. Daquelas fazendo biquinho às já “clássicas” mostrando o tanquinho da barriga. Aliás, segundo uma pesquisa divulgada neste ano pelo Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), mais de metade das fotos de si são da categoria “narcisista”: tem a intenção única de exibir a aparência física.
Há quem queira ver algum valor superior nessas selfies. Outro estudo deste ano, fruto de uma parceria da consultoria inglesa OnePoll com a organização Futurizon, apostou: essas imagens podem ter funções menos fúteis em setores como o da medicina, o bancário, o do entretenimento, o da moda, o dos esportes, o da robótica etc. Por exemplo: um paciente poderia retratar uma marca estranha no corpo, enviar para um grupo de médicos – distante, geograficamente –, e ser examinado (mesmo que ele não tenha como se dirigir até aqueles profissionais, naquele momento). Agora, convenhamos, na real, isso é um tanto blábláblá. Um pouco de verniz na questão.
As selfies são é a expressão máxima da geração que ama se exibir no Instagram, no Facebook, no Twitter, onde for. O que seria a vida moderna com “apenas” 100 seguidores? Quão deprimente poderia ser para um adolescente contar com “somente” 200 amigos no Facebook?
É essa onda narcisista que foi abraçada pelo novo iPhone X, da Apple. Sim, o aparelho é bonito. Sua tela, então, um prior de design. Mas o destaque do evento foi para o Face ID, nome do novo sistema de reconhecimento facial, e para a nova câmera frontal, agora muito mais valorizada no aparelho do que a traseira.
Com o Face ID, é possível, com uma selfie, destravar o celular. Com outra selfie, fazer um pagamento no banco. Noutra selfie, aplicar filtros estilo Snapchat para postar nas redes sociais. Em mais uma, transformar o próprio rosto num emoji. Se o primeiro iPhone, meio que sem querer, inaugurou os tempos das selfies, o X pode ser considerado a obra-prima, a expressão máxima, dessa era onde o ego parece valer mais que muito (será que tudo?; ou quase tudo?).
Não foi só com o novo iPhone que a Apple se exibiu ontem como a marca desta fase da humanidade. O novo Apple Watch? Gira em muito em torno de registrar os próprios dados, como os batimentos cardíacos. Sim, algo prático. Mas também de um egocentrismo ímpar.
E nisso chego ao valor do iPhone X. Sairá a partir de salgadíssimos 999 dólares (mais de 3 000 reais; e é claro que deve chegar no Brasil por mais que isso). Vale a pena? Se você quiser um desses para tirar selfies, para se exibir por aí e para também exibir o próprio aparelho por aí… é claro! Se não, vale refletir sobre a compra. Destaco: refletir. O X conta, sim, com várias novidades que instigam – a exemplo de uma câmera incrível, com um sistema de compensação de luminosidade que pode ser um baita diferencial. Só que aí se pergunte: será realmente útil para suas necessidades diárias?
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O tema me faz lembrar ainda o filme O Ciclo (no link, crítica de Isabela Boscov). Sim, o filme é “assustado e ingênuo”, como destaca o texto de minha colega. Por outro lado – e ao mesmo tempo –, em muito traduz as vontades e intenções desta geração de narcisos. Uma que parece sacrificar o que for para ser visto (e ver). Não darei spoilers. Então, recomendo assistir, caso não já não tenha feito isso.
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