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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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A vida e a morte do iTunes

Um adeus ao filho de Jobs que salvou a indústria da música, mas que envelheceu mal e acabou sucumbindo frente aos produtos mais novinhos

Por Filipe Vilicic Atualizado em 5 jun 2019, 17h08 - Publicado em 5 jun 2019, 17h05
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  • Quem é adolescente, ou está ainda nos meados dos 20 anos de idade, provavelmente tem recordações ruins do iTunes. Nos últimos anos, o filhote da Apple só dava dor de cabeça. Perdeu os holofotes para serviços de bufê à vontade de música, como o Spotify. As pessoas não queriam mais pagar por cada canção ouvida, mas sim para ter uma biblioteca de incontáveis à disposição. O mesmo ocorreu com os filmes, em área na qual o iTunes também se meteu, e dançou. Para quê comprar ou alugar um último lançamento quando se pode pagar pouco para acessar tudo de Netflix? Pior: o iTunes era uma bagunça. Misturou-se de forma caótica com a versão da Apple de um Spotify. Acessá-lo exigia inserir senha atrás de senha, em momentos em que se perguntava “Por quê preciso colocar mesmo minha senha do iTunes pela 10ª vez? E agora, qual é a outra senha da Apple que tenho de inserir?”. A biblioteca é confusa e o programa não evoluiu no passo dos algoritmos. O iTunes não envelheceu bem, adoeceu e foi morto pela Apple em anúncio na última segunda-feira (3).

    O iTunes morreu jovem para os padrões humanos: 18 anos de idade. Em “anos de tecnologia”, porém, era um ancião. Sobreviveu a MySpace, Facebook, YouTube, Spotify. Mas não aguentava mais. Motivo da morte: falta de atualização. Só que não lembremos do iTunes pelos seus últimos dias de vergonha. Convido-os a olhar para os tempos de glória.

    Quem tem mais de 30 anos se lembra de como ele era genial. Seu pai e mãe foi um só: Steve Jobs. Jobs o apresentou ao mundo em 9 de janeiro de 2001. Naquela época, ninguém mais queria saber de comprar música e via o filhote da Apple como um fracasso anunciado. Estávamos errados.

    Eu tinha então 15 anos. Como a garotada de minha época, ouvia muita música. Mas quase tudo de graça. A onda era baixar arquivos piratas do Napster – ou similares. Uns anos antes, quando a internet ainda era discada, deixava o PC ligado a madrugada inteira (saía mais barato, pois se pagava por apenas um pulso telefônico para conectar), baixando arquivos e mais arquivos. Eu era um pirata.

    Havia no computador (e em CDs gravados em casa mesmo) milhares e mais milhares de músicas. Tudo baixado sem pagar um tostão a artistas ou gravadoras. Organizado não por algoritmos que tentam adivinhar meu gosto, mas em pastas de “rock brasileiro”, “trilhas para acordar”, “festa” etc. e tal. E eu não estava sozinho na vida de pirata. Pelo contrário, era para esse lado que a maré enchia. Todos éramos piratas.

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    Quem não gostava disso? Músicos, empresários do ramo, as gravadoras. Esses perdiam fortunas. Achava-se que a lógica passaria a ser essa: música, só se for de graça. Foi aí que o iTunes mudou tudo.

    Jobs sacou que era um saco baixar arquivos piratas. Junto com milhares de músicas, meu PC também era infectado por milhares de vírus. Era duro eliminá-los. Tarefa que às vezes deixava brechas.

    Lembro de meu pai certa vez revoltado por sentar no computador da família e ver a tela travada por várias janelas de conteúdo pornográfico. E para explicar que aquilo era ação de um malware jocoso que veio na mesma onda de Good Vibrations do Beach Boys? Aposto que até hoje ele acha que eu estava mentindo.

    O iTunes foi genial ao compreender que queríamos era música barata e sob demanda. Pagar uns centavos por um Good Vibrations saia mais em conta e era mais inteligente do que ter de pagar dezenas de reais por um CD do qual só Good Vibrations e mais duas músicas então interessavam. Nos idos de 2001, o iTunes provou que ainda queríamos pagar para ouvir música. Só queríamos que isso fosse mais barato, mais fácil, mais prático, mais digital, mais moderno.

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    Assim o iTunes salvou toda a cadeia da indústria da música. Depois, fez algo similar por filmes. Pirataria virou coisa de gente velha, de povo muito pão-duro, de desinformado, de quem não está aí para arte. Mais que isso, o iTunes mostrou que pode ser lenda aquela máxima de que na internet todo mundo quer tudo de graça. Não é bem assim. E precisamos de ideias geniais como a do iTunes para mostrar saídas para tantas e tantas indústrias que ainda não se adaptaram bem à era conectada do século XXI.

    Todavia, o iTunes não soube se atualizar. Envelheceu mal. Foi passado para trás. E ainda deixou herdeiros – vários outros serviços da Apple – perdidinhos, sem saber para onde caminhar. Foi passado para trás por serviços que vieram ao mundo digital inspirados diretamente pelo próprio iTunes. Talvez sem o filhote da Apple não seriam iguais, ou talvez nem existissem, Spotify, YouTube, Netflix.

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