Diante da PL 28/2017, que procura impor diversos tipos de regras a seus serviços, empresas donas de aplicativos como Cabify, 99 e Uber estão se comportando como se o Senado brasileiro fosse atentar contra o próprio ímpeto inovador do ser humano caso aprove o tal projeto de lei. Dizem, inclusive, que a atuação desses apps seria inviabilizada com isso. É verdade? Em parte, sim. Mas apenas numa pequena “parte”. Mais que isso, contudo, é preciso compreender, primeiro, o exagero em torno dessa discussão e, segundo, o quanto esse papo soa cada vez mais coisa “de uns anos atrás”.
Em visita que fiz ao escritório da Uber em Nova York, o recorrente é afirmar que a empresa quer, sim, que seu app seja regulamentado. É verdade. Entretanto, muitas vezes a Uber soa como se pretendesse impor as próprias regras, apenas, e a todo momento. “O que não queremos são leis que impeçam nossos negócios, a concorrência leal ou que nossos motoristas parceiros lucrem com o próprio trabalho”, argumentou, por exemplo, em papo que tive com ele, Andrew Salzberg, o chefe de políticas de transporte da marca.
Mas o fato é que a Uber protesta em praticamente qualquer tentativa, de qualquer cidade ou país, que tente impor novas leis para seus empreendimentos. Foi assim em Nova York. “Esta cidade tem hoje uma das regulamentações mais rígidas para nosso trabalho”, explicou Salzberg. Dentre as regras, o motorista precisa ser registrado de forma oficial, tem de possuir um seguro específico para o carro e seus passageiros, e dispor de um aviso, visível, no veículo, de que ele trabalha “como Uber”. Hoje, a empresa aceita as regras (e não teria como ser de outra forma). Só que, há uns dois anos, quando elas eram discutidas, protestava contra as mesmas. Dizendo que, assim, seus negócios seriam impedidos e, por isso, teria de deixar de operar em Nova York.
No Brasil, ocorre algo similar. Porém, em cenário bem mais tenso, pois parece que não temos muitos políticos capazes (e entenda a ironia aqui) de discutir a questão de forma técnica, de igual para igual, com a Uber.
A aprovação da PL 28/2017 expulsaria a Uber do Brasil? Duvido. E muito. Até pode ser que a exigência de possuir placas vermelhas, como as de taxistas, se imponha como uma limitante extrema e inviabilize o negócio. Mas repito: duvido. Aposto, mesmo, que a Uber daria um jeito de se adequar ao que for imposto, como foi em Nova York; mesmo que, de início, reclame e pause a sua operação nacional. Motivo: hoje as cidades brasileiras, como São Paulo, são as nas quais mais se fazem corridas de Uber no mundo; desde que começou no país, um total de 530 milhões de viagens.
Mas isso não quer dizer que a PL não seja um equívoco. Ou, sendo direto, uma estupidez. “Legislações correm atrás das inovações”, também afirmou Salzberg. E sempre foi assim. Seja com a Uber, com a internet, com carros, com a TV, com o rádio, com as primeiras charretes. Em uma das apresentações realizadas por executivos da companhia em Nova York, destacou-se, por exemplo, como, lá nos idos do século XVII, os barqueiros do Rio Tâmisa, em Londres, protestaram contra novas tecnologias que estavam prejudicando seus ganhos, a exemplo dos “inovadores” carroceiros. Mas isso não quer dizer que não tenham sido criadas leis para regular a internet, os carros, a TV, o rádio e as primeiras charretes. O erro, no entanto, está em igualar o novo ao antigo. Nisso, a PL é, repito, uma estupidez.
Não se pode transformar a Uber em um serviço de táxi. Ponto. Isso seria, sim, trabalhar para tentar impedir a novidade. Mesmo que eu duvide que a Uber saia do Brasil caso isso ocorra – visto que o país rende muito dinheiro para a empresa americana –, continuaria a ser uma estupidez. Como se, lá nos longínquos tempos do século XVII, tivessem ordenado as mesmas leis para barqueiros e carroceiros de Londres. Assim como seria arcaico permitir que municípios expulsem a Uber de suas cidades. Mas qual seria o certo, então?
A solução é mais simples do que discutem por aí. Podíamos imitar Nova York, criar regras específicas para esses apps e, assim, garantir impostos graúdos pagos por essas companhias. Só que, assim como em Nova York, as regras tinham de ser adequadas à novidade, e não a novidade teria de se adequar às regras (sem – políticos, vençam a preguiça mental! – imitar o que já existe para táxis, por exemplo).
Agora, convenhamos, o Brasil mostra mais uma vez sua face de país atrasado por ainda (ainda!) estar discutindo isso. A Uber já se tornou coisa estabelecida. É algo de uns anos atrás. Discutir sua regulamentação soa cada vez mais algo antiquado. E, por isso, a população cada vez mais deixa de ouvir também as argumentações do governo. Do lado do cidadão, o que se quer é continuar a usar o serviço, que, na falta de bons legisladores, já estabeleceu, junto com os usuários, suas regras de conduta. Ou seja, trata-se de um assunto caduco e cuja chatice aumenta em intensidade. Por isso, e até por essa tal fadiga, quase 1 milhão de brasileiros assinaram um abaixo-assinado contra a PL 28/2017.
E quer entender quão arcaica é essa conversa? Confira, por exemplo, a capa de VEJA desta semana. Nela, há uma reportagem na qual embarquei no automóvel autônomo que está sendo testado pela Uber em algumas cidades dos EUA. Ou seja, a visão da empresa é que, em breve, nem condutores humanos serão necessários. Enquanto aqui no Brasil discutimos regras para motoristas cuja profissão logo, em uns anos, vai sumir da face da Terra, lá no hemisfério norte se conversa como serão regularizados os veículos que se dirigem. Em outras palavras, por aqui debatemos o passado, enquanto deveríamos é refletir sobre o futuro.
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