Li uma notícia no jornal esta semana — sobre os planos do Ministério da Saúde de proibir os saleiros nas mesas de restaurantes — e cometi o desatino de comentá-la em um post de Facebook. “Estado babá”, escrevi, sucintamente. Em poucos minutos, instalou-se um salseiro. Os amigos que tendem a aceitar a salvação vinda de cima para baixo, ou seja, que defendem ou não veem mal nenhum em intervenções do Estado em problemas mundanos, partiram para o ataque: sal é um problema de saúde pública, etc.
Fiquei com a impressão de que era possível dividir a humanidade entre os defensores do saleiro e os detratores do saleiro. Mas a questão foi mais longe. Falou-se sobre alimentos industrializados, sobre açúcar, sobre os limites da liberdade individual e até sobre cinto de segurança nos carros.
Minha indignação, contudo, estava concentrada na questão do saleiro.
Antes, é preciso definir um Estado babá. O conceito mais simples é o seguinte: Estado babá é aquele que trata os cidadãos como se eles não fossem capazes de tomar decisões sozinhos.
É compreensível que se queira regular a quantidade de sódio adicionada aos alimentos industrializados. A não ser que o consumidor seja um especialista no assunto, é difícil para a maioria entender, mesmo lendo a tabela nutricional, se os níveis de sódio contidos ali são exagerados ou não. E quem é que sabe quantos salgadinhos de pacote representam uma porção de 25g para poder fazer a conta?
O conceito de “pitada de sal” é mais fácil de compreender. E salvo exceções, que sempre existem, todos nós sabemos que aquele recipiente no meio da mesa com vários furinhos na tampa contém sal, certo? A opção de usá-lo é uma decisão pessoal, tanto quanto foi uma decisão pessoal pedir torresmo em vez de peito de frango ao garçom.
Sejamos justos. A guerra ao saleiro, por incrível que pareça, não é uma jaboticaba, algo exclusivamente brasileiro. Como o próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, explicou, restrições semelhantes estão sendo ou já foram adotadas em outros países. Em Buenos Aires, os saleiros sumiram das mesas dos restaurantes em 2011. Quem deve ter sofrido mais com isso foram os turistas brasileiros, desacostumados com a carne tradicionalmente insossa da parrilla, comparada ao nosso salgadíssimo churrasco. Em Montevidéu, lei semelhante entrou em vigor em 2015. No mesmo ano, o Brasil também fez a sua experiência do tipo. No Espírito Santo, uma lei estadual proibiu os saleiros sobre as mesas dos restaurantes. Resultado: alguns estabelecimentos passaram a pendurar “colares” de sachês de sal em volta do pescoço do garçom, para facilitar o atendimento aos clientes que pedissem o tempero, ou simplesmente amarravam o saleiro a uma corda elástica presa ao teto, suspensa sobre as mesas (sem que estivessem literalmente sobre a mesa). Virou piada.
Uma reportagem recente do jornal americano The New York Times mostrou que a ciência ainda apanha para compreender como o sal se comporta no organismo. Um novo estudo realizado com astronautas russos, citado na reportagem, sugere que, ao contrário do que se pensava, a ingestão de uma dieta rica em sal não aumenta a sede, e sim a fome. E que o sal pode estar relacionado à perda de peso, e não o contrário. Esperemos as cenas dos próximos capítulos científicos.
Mas voltando à questão do saleiro e do Estado babá.
Segundo Michael H. Alderman, um especialista em hipertensão nos Estados Unidos, os saleiros são responsáveis por apenas 10% da ingestão diária de sal. Em resumo, não é aí que reside a maior parte do problema.
É mais efetivo — ainda que mais trabalhoso e menos visível aos olhos do público — fazer um pacto com a indústria alimentícia para reduzir a ingestão de sódio da população. No Brasil, medidas desse tipo já conseguiram tirar 17 toneladas de sal dos alimentos, desde 2011.
Esse fato expõe a verdadeira motivação para proibir saleiros nos restaurantes: o que se quer é, simplesmente, chamar a atenção, mostrar para a população que algo está sendo feito. Isso é populismo — a própria matéria-prima da qual é feita o Estado babá.