Um dente de leite foi expelido da boca da Antártica — e ele é gigantesco. “Dente mole” era o apelido do iceberg D28 durante os quase vinte anos em que cientistas acompanharam o bloco de gelo em seu lento processo para se despregar da plataforma gelada Amery, a terceira maior da Antártica, no lado leste do continente. O desfecho, na quinta 26, pôs para flutuar no oceano um iceberg de 1 636 quilômetros quadrados (um pouco maior que a cidade de São Paulo) e colossais mais de 300 bilhões de toneladas — o maior em quase meio século. Perigo não há. De acordo com o Copernicus, programa de observação da Terra da Agência Espacial Europeia que divulgou a informação pelo Twitter, trata-se de um fenômeno natural, sem relação com o aquecimento global ou outras mudanças climáticas. Plataformas flutuantes como a Amery funcionam como uma espécie de “rolha” que contém e equilibra o gelo que cai continuamente nas calotas polares. Em contato com o mar, suas extremidades vão se afinando e, eventualmente, pedaços se separam do resto e vagam pelo oceano até derreter. Nesse ciclo, que impede que o gelo cubra o planeta, grandes rupturas como a do D28 acontecem a cada sessenta ou setenta anos. A diferença, neste caso, foi a possibilidade de acompanhar em tempo real, minuto a minuto, o nascimento de um iceberg, produto do que o cientista Adrian Luckman, da Swansea University, no Reino Unido, descreve como “a idade do ouro da observação por satélite”.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655