Cento e oito anos se passaram desde o trágico naufrágio do Titanic, a maior e a mais luxuosa embarcação até então criada, mas os motivos que levaram o transatlântico às profundezas do Atlântico Norte seguem sendo motivo de fascínio e mistério. Sabe-se, com base em relatos de sobreviventes, resgatistas e uma série de inquéritos, que o navio se chocou com um iceberg por volta das 23h40 do domingo 14 de abril de 1912, justo em sua viagem inaugural, saindo de Southampton, na Inglaterra, em direção a Nova York, nos Estados Unidos. A batida no bloco de gelo rompeu as chapas de aço e inundou os compartimentos estanques. Em menos de três horas, o que era tratado como impossível aconteceu: o Titanic, vendido como “inafundável” pela companhia White Star Line — equívoco que justificaria o número reduzido de botes salva-vidas —, foi a pique, ceifando mais de 1 500 vidas, entre milionários da primeira classe e imigrantes da terceira.
Há, no entanto, algumas teorias sobre o que teria colocado a embarcação na rota dos icebergs. A mais recente delas foi apresentada pela ucraniana Mila Zinkova, pesquisadora meteorológica que investiga a hipótese de que a aurora boreal possa ter afetado o sistema de navegação do Titanic, além de impedir que o pedido de socorro chegasse a outros navios. O fenômeno ocorre quando partículas solares carregadas de eletricidade colidem com gases atmosféricos, produzindo um espetáculo capaz de iluminar a noite em tons de verde, vermelho, roxo e azul.
O estudo de Mila, publicado pela Royal Meteorological Society, postula que as partículas geram interferência eletromagnética, explicação para a sucessão de acontecimentos que levou à tragédia. “Talvez a aurora boreal tenha provocado falhas tanto na navegação quanto na comunicação”, diz ela, uma programadora de computador aposentada, radicada há décadas nos EUA e casada com um brasileiro. “Um pequeno desvio na bússola já seria o suficiente para alterar o curso e levar o navio para a zona de icebergs.”
A especialista se baseia em evidências meteorológicas e em relatos de sobreviventes, como o jornalista Lawrence Beesley, que afirmou ter visto “um brilho fraco no céu à frente”, e de testemunhas como James Bisset, oficial do RMS Carpathia, navio que resgatou os 706 sobreviventes do Titanic duas horas depois de ele ter submergido completamente. Bisset viu luzes ao norte naquela madrugada de “mar calmo e céu sem lua”. Ainda segundo os estudos de Mila, as mesmas partículas solares que desnortearam o Titanic podem ter ajudado a salvar vidas, pois também alteraram o curso do Carpathia, levando-o, por engano, para perto do local do acidente.
A atração de Mila pelo Titanic não se deve ao filme homônimo de 1997, estrelado por Leonardo DiCaprio, que ela viu uma única vez. Ironicamente, a programadora de computador se interessou pelo assunto para refutar uma outra teoria: em 2012, no centenário do afundamento, pesquisadores da Universidade de San Diego, nos EUA, concluíram que uma miragem havia impedido a visualização do iceberg. O fenômeno óptico, conhecido como Fata Morgana, faz surgir uma parede falsa de água que encobre o horizonte real. “Vivo em São Francisco e vejo miragens no mar. Estou convencida de que o desastre não ocorreu por causa disso”, diz Mila.
O interesse mundial pelo Titanic cresceu a partir de 1985, quando exploradores localizaram os destroços a cerca de 700 quilômetros da costa canadense. A descoberta chamou atenção do cineasta James Cameron, que dirigiria o filme de sucesso lançado em 1997. Vinte anos depois, outra teoria ganhou força. O jornalista irlandês Senan Molony, com base na análise de fotos da época, afirmou que, antes da viagem inaugural, a área interna inferior do navio teria sido tomada por um incêndio de grandes proporções iniciado nas caldeiras. O fogo foi controlado, mas, segundo Molony, enfraqueceu as chapas de aço, fato ocultado das autoridades marítimas.
Quando colidiu com o iceberg, o casco do poderoso transatlântico não aguentou o impacto. “Não é uma simples história de um iceberg e um afundamento, mas uma tempestade perfeita de fatores extraordinários ocorridos ao mesmo tempo: o fogo, o gelo e a negligência criminosa”, afirma Molony. O certo é que a catástrofe de 1912 foi responsável por mudanças radicais nos regulamentos marítimos, partindo do princípio de que nenhum navio, por mais moderno que seja, é infalível. Como bem definiu o autor da tese sobre o incêndio, todo desastre — seja de navio, avião ou trem — é resultado de uma soma de fatores sucessivos, não de uma única causa. O Titanic seria a maior prova disso.
Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709