O tema do meio ambiente entrou definitivamente na agenda global. Cinco exemplos recentes confirmam essa percepção: (a) a importância da sustentabilidade na pauta do Fórum Econômico de Davos; (b) a decisão de um dos maiores fundos do mundo, o BlackRock, de desinvestir em projetos e empresas de combustível fóssil e dar prioridade a investimentos compatíveis com o programa de desenvolvimento sustentável; (c) a pressão do TCI Fund Management, o mais rentável do planeta, sobre as companhias de seu portfólio para que reduzam as emissões de gases do efeito estufa; (d) a inclusão da questão ambiental na agenda de financiamentos entre governos e instituições financeiras; (e) a decisão do Parlamento da Valônia, região da Bélgica, de se manifestar contra o Acordo Mercosul-União Europeia (UE) por considerar que terá “um impacto negativo no que diz respeito às metas climáticas do Acordo de Paris, ao meio ambiente, à saúde e ao desenvolvimento de um modelo agroalimentar sustentável na Valônia”.
Uma nova força se associou às políticas públicas para o meio ambiente e às políticas de conservação: o consumidor. Atentas às atividades de empresas predadoras, ao descuido de autoridades e às deficiências de regulamentação, a imprensa e a sociedade civil começaram a se manifestar, e os consumidores responderam rapidamente a essas ações. Atuam punindo os infratores com boicotes, mudanças de hábitos de consumo e uma campanha voltada para complementar as regras de boa conduta ambiental na expectativa de conseguir um comportamento ético voluntário. Vêm aumentando as ameaças de prejuízo para o setor do agronegócio pela crescente influência da política ambiental sobre as negociações comerciais e financeiras.
Nos fóruns internacionais esse tema está instalado e deverá permanecer e mesmo ampliar-se pela progressiva preocupação com a saúde do planeta. Os interesses em jogo são muito grandes. Segundo estudos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), até 2030, com o aumento da população global, a redução da pobreza e o crescimento da classe média, o consumo de produtos agrícolas vai ser 20% maior em relação a 2017. Desse total, estima-se que 40% deverão vir do Brasil. Nos próximos dez anos, assim, projeta-se uma demanda ascendente de produtos brasileiros.
Não há como confrontar a tendência global de definir políticas de preservação do meio ambiente e de mudança do clima. Elas estão aí para ficar, e esse tema passará a interferir cada vez mais na estratégia de negócios.
As percepções críticas ao Brasil no exterior têm como foco a preservação da Floresta Amazônica. As queimadas e o desmatamento foram alvo de manifestações no mundo inteiro, inclusive dos jovens. Informações distorcidas e meias verdades se misturaram aos fatos, ampliando as consequências negativas para os nossos interesses comerciais e políticos. As diferenças quanto à gestão do Fundo Amazônia fizeram com que a Alemanha e a Noruega suspendessem repasses financeiros para projetos na Amazônia. A influência do Brasil nas discussões sobre o assunto nos fóruns internacionais está diminuindo, e a percepção externa, alimentada por campanhas dirigidas por motivações políticas e comerciais, contribui para afetar o soft power do país.
A questão do meio ambiente é uma das mais relevantes da agenda multilateral. Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, e, em particular, a partir da Rio-92, houve uma proliferação de acordos de gestão de recursos naturais entre países. Hoje, o meio ambiente já é a segunda área com o maior número de acordos internacionais no mundo, atrás apenas do comércio internacional.
O recém-concluído acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) incluiu capítulo sobre desenvolvimento sustentável com novos compromissos que o Brasil deverá cumprir e que serão verificáveis por nossos parceiros europeus. O descumprimento dos dispositivos do documento poderá acarretar boicotes e mesmo a restrição de importação de produtos agrícolas nacionais. Entre outros, estão mencionados no acordo com a UE os compromissos da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, da Convenção sobre Diversidade Biológica, da Convenção da ONU de Combate à Desertificação, do Acordo de Paris, das Regras da OMC e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Agenda 2030.
“Não estão em questão a soberania nem a capacidade do governo de determinar as políticas para a Amazônia”
A falta de informação interna sobre os compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos brasileiros nas últimas décadas e a crescentemente negativa percepção externa sobre as políticas ambientais do atual governo criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, sobretudo o agronegócio.
Diante da importância desse tema, o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) está desenvolvendo uma série de ações, principalmente a curto prazo, como encontros para discutir os desafios que o Brasil e as empresas nacionais já estão enfrentando em decorrência da percepção externa negativa. Será também feito um exame dos tratados, acordos e resoluções de organismos internacionais sobre a preservação do meio ambiente, a mudança do clima e o desmatamento florestal. O resultado vai ser a publicação até junho de um documento, para uso do setor privado na defesa de seus interesses no exterior, com a relação dos compromissos assumidos pelo governo e o grau de cumprimento deles pelo Brasil. Além disso, o Irice procurará desenvolver um programa de trabalho que englobará a promoção de quatro encontros sobre a diplomacia ambiental, depois da realização de dois seminários no segundo semestre de 2019 sobre os acordos em que o Brasil é parte e os compromissos assumidos pelos governos do país nas últimas décadas.
Urge a definição de uma estratégia que retire o Brasil do isolamento, contrário aos interesses nacionais e, em especial, do setor do agronegócio, que sofrerá as consequências do descumprimento dos compromissos internacionais assumidos, inclusive no acordo recente com a União Europeia. O Brasil deve abandonar a posição defensiva que passou a adotar. Se não for por convicção arraigada, que seja por pragmatismo e realismo político para a proteção de interesses comerciais concretos, para restabelecer a percepção externa sobre o Brasil e voltar a fortalecer nosso soft power. O aproveitamento da biodiversidade da Amazônia está demorando a entrar na agenda política nacional. Propostas como a bioeconomia e a Zona Franca de Manaus deveriam ser seriamente estudadas pelo poder público. Não estão em questão a soberania nem a capacidade do governo de determinar as políticas para a região.
A criação do Conselho Nacional da Amazônia Legal, que coordenará as ações de catorze órgãos e ministérios diretamente envolvidos nas políticas para a região amazônica, pode ser o primeiro e importante passo nessa direção. O vice-presidente, na direção do conselho, reconheceu falhas na comunicação do governo sobre o assunto e a falta de integração de políticas para a Amazônia. A decisão mostra uma nova atitude do poder público e a importância que passou a ser atribuída às políticas ambientais.
*Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice)
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675