Nas últimas semanas, os entusiastas da ciência foram surpreendidos por uma notícia do Museu Nacional: em reconstrução, a instituição acabara de receber uma doação de mais de mil peças para o seu novo acervo. Originada da Bacia do Araripe, um dos sítios paleontológicos mais ricos do país, a coleção fazia parte do acervo pessoal do colecionador suíço-alemão Burkhard Pohl e teve a doação intermediada pela mecenas argentina Frances Raynolds.
Desde 2022, o instituto Inclusartiz, presidido por ela, assinou um acordo de cooperação técnica com a Associação Amigos do Museu Nacional. Desde lá, ela vem se debruçando sobre a tarefa de conseguir doações e empréstimos para recompor o acervo do museu, que teve 85% das suas peças perdidas no trágico incêndio de 2018.
O esforço tem dado resultados. A nova coleção, que carrega o título de maior doação já recebida pelo Museu, contém fósseis raros, como espécies de dinossauros nunca antes descritas, crânios de pterossauros ainda não estudados e espécimes de uma das cobras mais antigas do mundo. Em entrevista a VEJA, Raynolds falou sobre o esforço envolvido na doação, a importância dela e a expectativa de que outros colecionadores se inspirem a fazer o mesmo.
Como aconteceram as negociações para a recepção das peças doadas ao Museu Nacional? Por casualidade eu conhecia o filho do Burkhard Pohl, o Rudïger Pohl, através de sua coleção de minerais. Após dois anos de negociação, decidiram me apoiar [no trabalho com o Museu Nacional]. Convidamos o Alexandre Kellner, diretor do Museu Nacional, para viajar duas vezes e conhecer Rudïger e o responsável pela coleção, o paleontólogo Frédéric Lamcombat. Depois convidamos o Kellner para conhecer também o Burkhard Pohl. Após esses contatos, decidiu-se que 1104 peças seriam doadas.
Qual o sentimento ao ver as peças chegando ao Brasil? Fico emocionada com o movimento, símbolo do sucesso de uma parceria público-privada, que, com grandeza de espírito, está conseguindo reconstruir a coleção do museu. Essa foi a maior doação da história da instituição.
E o resto da equipe? A reação das equipes de pesquisa científica – paleontólogos , estudantes da UFRJ, responsáveis pelo transporte e desembalagem – tem sido unânime, tanto no Brasil quanto de colegas no exterior. É um grande acontecimento, que incentiva colecionadores, instituições e governos a fazer doações arqueológicas e empréstimos.
Qual foi a parte mais difícil? A maior dificuldade está em conseguir a participação, no Brasil, da sociedade em geral e de líderes empresariais que entendam que cada um de nós temos responsabilidade nessa reconstrução, na medida que for possível – desde passagens e diárias de hotel até o aporte de um fundo para a compra de espécimes, com doações para o Museu Nacional/URFJ.
Como estão os esforços para conseguir novas peças? A reconstrução da coleção está no início. Quem faz doações é reconhecido de forma contínua, o que despertará maior interesse. Será um caminho longo, mas juntos conseguiremos chegar a nossa meta. Os setores público e privado têm que trabalhar juntos.
Qaais as expectativas agora que essa doação foi finalizada? As minhas expectativas são favoráveis, pois no âmbito internacional o setor público e privado entendem a importância do Museu Nacional para a educação e para a comunidade científica mundial. A doação da família Pohl é um claro exemplo de colaboração científica. Eles ainda levaram estudantes e acadêmicos, cientistas de paleontologia, para Wyoming e Montana, nos Estados Unidos, para participar de temporadas de escavações na procura de fósseis.
Você está trabalhando atualmente com o Museu Nacional para tentar viabilizar outras doações? Estou trabalhando em diversas frentes no âmbito internacional para a doação de coleções e empréstimos a longo prazo. Tem sido e está sendo muito gratificante e inspirador colaborar com todos esses líderes, tanto lá fora, quanto no Brasil, em cada uma das áreas científicas de interesse para o MN/UFRJ.