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“Realizei tudo que queria”, diz físico Abraham Zimerman, de 95 anos

No Brasil desde 1934, ele é um dos cientistas mais longevos do país

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h09 - Publicado em 2 set 2023, 08h00
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  • Meus pais decidiram sair da Polônia para vir ao Brasil em 1934, por causa da ascensão do nazismo. Eu era muito novo, tinha apenas 6 anos, e por isso não lembro bem, é claro. Mas sei que um tio já morava aqui e ele nos convidou para vir até São Paulo. Passei a infância no bairro do Bixiga. Minha mãe cuidava da casa e meu pai foi mascate, mas depois de uma cirurgia de apendicite, se juntou com um sócio para abrir uma lojinha. Estava mais ou menos com 10 anos e ajudava como caixa. Nessa época, a criançada toda trabalhava, então, meus amigos e eu brincávamos nos intervalos entre trabalho e escola. Foi uma infância feliz, mas o tempo passou e não sabia o que queria fazer, não tinha um sonho profissional. Pensava muito em engenharia, como a maioria das pessoas. Um colega na época do ginásio descobriu o curso de física na USP e me convenceu a tentar. Nós prestamos o concurso juntos e, como havia poucos candidatos, conseguimos entrar. Muitas pessoas foram saindo, mas continuei porque tive oportunidade de conhecer muita gente boa. Durante o curso, até tentei ir para Londres, onde passaria uma temporada com o físico Abdus Salam, que anos depois ganhou um Nobel. Infelizmente, não consegui dinheiro para a viagem.

    Logo que terminei a graduação, por volta de 1952, o José Hugo Leal Ferreira criou a Fundação Instituto de Física Teórica (IFT), para desenvolver pesquisa. Era amigo dos filhos dele, o Jorge e o Paulo. Então, comecei a me envolver. Nessa época vieram muitos pesquisadores estrangeiros para cá. Primeiro, da Alemanha e, depois, do Japão. Foram momentos difíceis, mas eles eram geniais e isso ajudou a continuar. Com o tempo, passei a me envolver mais. A princípio, a fundação oferecia alguns cursos, mas os alunos saíam sem título. A maior conquista da minha carreira acadêmica foi ajudar a criar a pós-graduação, que elevou a qualidade do instituto. Na época, porém, eu mesmo não tinha um título e precisava disso para dar aula. Então, me auto-orientei, fiz o doutorado sozinho. Nesse momento, já tinha aprendido muita coisa com os estrangeiros. Graças a isso, não foi tão difícil. Mais ou menos nessa época, em 1987, o instituto foi incorporado pela Unesp e aí as coisas deslancharam mesmo. Estou até hoje na pós do IFT.

    Nesse período, conheci minhas duas esposas: a Rachela, com quem me casei em 1956 e fiquei até a sua morte, na década de 1980, e a Adélia, que conheci em 1988. Foi igual com ambas. Durante a semana, vivíamos as nossas vidas. Sempre aproveitávamos ao máximo o tempo juntos nos fins de semana. Algo que eu gostava de fazer quando criança era passear pelo centro de São Paulo e, já adulto, passei a levar minhas mulheres para esses passeios. Conheci com elas a cidade toda. Com a primeira, tive quatro filhos. A segunda me deu três enteados.

    Realizei tudo que queria. Nunca voltei para a Polônia porque aquela família, que era gigante, já não existia mais. Mas, depois de todo esse tempo, tive oportunidade de ir, finalmente, para Londres. Também conheci muitos outros países: Itália, França, Suíça, Estados Unidos. Hoje, não tenho mais nada para conquistar. Eu me aposentei, mas continuei frequentando a Unesp. Com a Covid-19, a universidade teve de fechar. Mas eles me mandaram um computador e trabalhei de casa. Faço tudo com ele. Precisamos continuar trabalhando, porque, se pararmos, o resto para também. Continuo orientando alunos até hoje, muitos dos quais viraram amigos. Apesar das dificuldades, tudo o que fizemos pelo instituto foi muito relevante. Orientamos muitos alunos, muitos deles foram para fora. O Brasil está bem servido em pessoas dedicadas à ciência. Tudo de que precisam é oportunidade. É o que nós proporcionamos.

    Abraham Zimerman em depoimento dado a Luiz Paulo Souza

    Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857

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