No extremo Sul das Américas, um cenário praticamente intocado pela mão humana se desdobra, oferecendo um palco natural para a observação das complexas ramificações das mudanças climáticas globais. É ali, no recanto isolado da região subantártica chilena, que fica o Cabo de Hornos, um espaço único para os cientistas que buscam respostas sobre o futuro do planeta.
Desde 2000, pesquisadores brasileiros têm se unido a seus pares da Universidade de Magallanes, no Chile, para desvendar os impactos do aquecimento global nessas vastas extensões intocadas. No entanto, foi apenas em maio de 2023 que o impulso alcançou novos patamares, com a inauguração do Centro Internacional do Cabo Horn para Estudos de Mudança Global e Conservação Biocultural (CHIC, na sigla em inglês), um marco que promete revolucionar a compreensão que temos sobre impacto humano em ambientes isolados.
Situado estrategicamente em Porto Williams, na Ilha Navarino, o CHIC serve como epicentro para uma série de pesquisas transdisciplinares abordando climatologia, biodiversidade marinha, glaciologia e muito mais. Com um investimento de mais de 10 bilhões de pesos chilenos – aproximadamente 300 milhões de reais – ao longo de uma década, renovável posteriormente por mais cinco anos, este projeto representa um dos maiores esforços já empreendidos em prol da ciência e tecnologia nesta região.
Impactos Subaquáticos das Mudanças Climáticas
Num esforço conjunto, pesquisadores brasileiros e chilenos planejam mergulhar nas águas gélidas do Atlântico Sul, investigando os padrões de distribuição das algas marinhas e seus microrganismos aliados. Com as mudanças climáticas em pleno curso, essas espécies podem estar migrando para novas regiões, impactando ecossistemas locais de maneiras imprevistas.
As algas marinhas não são as únicas que estão sob escrutínio. Sob as águas azuis do Cabo de Hornos, repousam bosques submarinos de kelps, formados por espécies de algas gigantes que chegam a medir até 60 metros e colaboram para o funcionamento de diversos ecossistemas marinhos.
Consideradas “engenheiras ambientais”, essas algas fornecem continuamente abrigo, alimento, proteção e acomodação para reprodução de diversos organismos, dentre eles muitos de interesse pesqueiro, como peixes e caranguejos como a Centolla ou “caranguejo-rei”. Além disso, estudos mostram que as algas gigantes constituem protetores naturais contra a radiação ultravioleta (UV) para diversos organismos marinhos ao filtrar a radiação solar. No entanto, estudos sugerem que esses gigantes podem estar enfrentando ameaças sem precedentes devido ao derretimento acelerado das geleiras.
O ambiente terrestre da região também é objeto de pesquisa. O degelo das vastas turfeiras da região está liberando quantidades alarmantes de metano, um poderoso gás de efeito estufa, lançando um alerta sobre os impactos iminentes dessas mudanças.
À medida que os cientistas se preparam para desbravar os enigmas do Cabo de Hornos, a colaboração entre Brasil e Chile se firma em meio aos desafios da emergência climática. Instituições como Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Paraná e Universidade Federal de Santa Catarina contribuem com o projeto.
*Com Agência FAPESP