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O projeto que vai levar ao espaço mais de 30 mil obras artísticas

O Lunar Codex funcionará como uma cápsula do tempo para a posteridade

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h11 - Publicado em 27 ago 2023, 08h00
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  • Foi na Grécia antiga que tudo começou. O filósofo grego Teofrasto, discípulo de Aristóteles e seu sucessor no Liceu de Atenas, teve a ideia de pôr um bilhete enrolado dentro de uma garrafa, fechá-la e jogá-la ao mar. O sábio helênico teria usado o recurso para estudar as correntes oceânicas. Só mais tarde a prática se tornaria veículo para pedidos de socorro ou até de simples mensagens de esperança. No século XXI, o conceito entrou na órbita espacial. Em 1969, a Apollo 11 levou à Lua um disco de silício com mensagens de paz de líderes de mais de setenta países. Em 1977, as sondas Voyager 1 e 2 carregaram para o infinito e além dois discos dourados contendo tesouros da humanidade como a gravação do Prelúdio e Fuga em Dó do Cravo Bem Temperado, de Bach, na interpretação de Glenn Gould, e Johnny B. Goode, de Chuck Berry, com a curadoria do astrônomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996). A ideia: esses frascos embebidos de civilização poderiam, lá na frente, ser decifrados por alienígenas — busca que nos fascina, aqui no planeta Terra.

    ABRAHAM ANGHIK RUBEN - Um dos principais ímãs de atenção do escultor tem sido a história do contato entre os vikings nórdicos e os inuítes, como ele. Paulatuk Owl, selecionada para a travessia, é uma homenagem a sua terra natal.
    ABRAHAM ANGHIK RUBEN – Um dos principais ímãs de atenção do escultor tem sido a história do contato entre os vikings nórdicos e os inuítes, como ele. Paulatuk Owl, selecionada para a travessia, é uma homenagem a sua terra natal. (The Windrift Collection/.)

    Agora, com os avanços tecnológicos e a quase infinita capacidade de armazenamento, o sonho de gente como Sagan parece se multiplicar. E os receptáculos, que nos anos 1960 e 1970 eram fisicamente limitados, são capazes de carregar museus inteiros, com preferência para nomes ainda sem destaque, mas que representam a rica variedade de culturas do mundo.

    GUSTAVO RAMOS - Com participação em exposições no Rijksmuseum, em Amsterdã, e na Sotheby’s, em Nova York, o artista, natural de Maringá, participa do projeto com a tela Winter, que está no catálogo de Realismo Figurativo.
    GUSTAVO RAMOS – Com participação em exposições no Rijksmuseum, em Amsterdã, e na Sotheby’s, em Nova York, o artista, natural de Maringá, participa do projeto com a tela Winter, que está no catálogo de Realismo Figurativo. (Acervo Gustavo Ramos/.)

    Eis a ambição de um projeto batizado como Lunar Codex. Ele foi idealizado por Samuel Peralta, físico semi­aposentado e colecionador de arte do Canadá. Trata-se de uma coleção digitalizada e miniaturizada de arte contemporânea, poesia, revistas, música, filmes, podcasts e livros de mais de 30 000 artistas de 158 países — inclusive do Brasil, é claro. “Como ainda não completamos o conteúdo das cápsulas e há muitos artistas brasileiros em nossos bancos de dados, é possível que muitos ainda sejam selecionados”, disse Peralta a VEJA. Entre os nomes já certos despontam os artistas plásticos Gustavo Ramos, Aline Brant, Lucio Carvalho e Melissa Meier, além do escritor Fábio Fernandes. Eles foram incluídos depois de cuidadosa busca em revistas de artes. “Pensar que a imagem de uma de minhas pinturas estará preservada na Lua me deixa emocionado”, disse Ramos a VEJA.

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    OLESYA DZHURAYEVA - As gravuras da ucraniana já foram expostas ao redor do mundo. Tears, a obra selecionada para ser posta em órbita, faz parte de um acervo que tem como tema a guerra na Ucrânia.
    OLESYA DZHURAYEVA – As gravuras da ucraniana já foram expostas ao redor do mundo. Tears, a obra selecionada para ser posta em órbita, faz parte de um acervo que tem como tema a guerra na Ucrânia. (@olesyadzhurayeva/Instagram)

    O lote do Lunar Codex está dividido em quatro “garrafas”. A primeira, batizada Orion, já voou ao redor da Lua no ano passado, como parte da missão Artemis I, da Nasa. Até o fim do ano, outros arquivos multimídia, as coleções Neon e Peregrine, serão instalados permanentemente em crateras no polo sul e numa planície do satélite dos namorados. A última, a coleção Polaris, ganhará o firmamento no fim de 2024. As coleções estão armazenadas em cartões de memória de uma inovadora tecnologia chamada NanoFiche, manufaturada com placas à base de níquel que podem armazenar até 2 000 páginas de texto por centímetro quadrado. É muito mais do que podia acondicionar os discos de quarenta anos atrás.

    PEQUENINOS - Samuel Peralta com uma das placas de níquel: armazenamento
    PEQUENINOS - Samuel Peralta com uma das placas de níquel: armazenamento (Lance McMillan/Getty Images)
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    As duas iniciativas — a do final do século XX e a de agora — pretendem perpetuar o nosso tempo, feito de beleza, mas também de guerras, de elegância e estupidez, de delicadeza e grosseria. Jamais saberemos se alguém terá contato com o conteúdo a viajar pelo éter. Pouco importa, como registrou Sagan, lindamente: “Há apenas uma chance infinitesimal de que a placa seja vista por um único extraterrestre. Sua verdadeira função, portanto, é expandir o espírito humano, e fazer com que o contato com a inteligência extraterrestre seja uma expectativa bem-vinda da humanidade”. Não é pouca coisa alimentar essa quimera.

    Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856

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