Um novo corante ocular, feito a partir do açaí, pode tornar cirurgias de retina mais simples, eficazes e baratas. O estudo sobre o composto, desenvolvido por cientistas do departamento de oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), está suas fases finais e o produto poderá começar a ser usado em operações no próximo ano. A estimativa dos pesquisadores é que o novo corante seja até dez vezes mais barato que os utilizados atualmente, que são importados e custam cerca de 300 reais.
“São muitas as vantagens do composto. É uma droga nacional, mais eficiente, barata e, como o corante à base de açaí é antioxidante, ela pode ser também mais segura. Em termos de saúde pública, seria um ganho imenso para as cirurgias de retina”, explica o oftalmologista e especialista em cirurgia de retina Mauricio Maia, professor da Unifesp e coordenador do estudo.
Corantes brasileiros
De acordo com estimativas, há em todo o mundo cerca de 60 milhões de pessoas com menos de 10% da visão. No Brasil, estima-se que o número esteja em torno de 2 milhões de pessoas – muitas delas tiveram a condição causada por doenças que afetam a retina e que poderiam ser tratadas com cirurgias.
Como as estruturas intraoculares são de tamanho microscópico, os médicos utilizam corantes para conseguir visualizar as membranas e tecidos semitransparentes que devem sofrer a intervenção. Atualmente são utilizadas três substâncias químicas com esse objetivo – uma delas, com grande potencial tóxico. Além disso, não há uma substância capaz de colorir todas as estruturas envolvidas na cirurgia, o que torna necessária a utilização de mais de um produto.
Para tentar encontrar uma substância mais eficiente, os médicos da Unifesp iniciaram em 2010 um estudo com corantes naturais brasileiros. Os cientistas resolveram examinar as tinturas usadas pelos índios brasileiros, como urucum e açaí. A hipótese era que, como os vegetais são usados para pintar a pele, possivelmente não apresentariam incompatibilidade com o corpo humano.
Cirurgia de retina
A pesquisa mostrou que as moléculas antioxidantes que dão a coloração roxa ao açaí, chamadas antocianinas, poderiam ser um excelente substituto aos corantes sintéticos. Com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e de uma parceria público-privada, uma equipe de cerca de cem pesquisadores passou os últimos sete anos aperfeiçoando o composto que, neste ano, foi testado em ensaios clínicos em 25 pacientes, com excelentes resultados. As próximas etapas do estudo, necessárias antes da colocação do produto no mercado, devem acontecer nos próximos seis meses.
“O açaí tem características importantes para as cirurgias de retina, como atingir os pontos certos das estruturas oculares, colorir duas importantes membranas e, como é antioxidante, é possível que seu perfil de segurança seja maior do que o das substâncias que já temos”, afirma Maia. “Certamente a vegetação brasileira nos ofereceu um corante tão ou mais adequado do que os químicos antigos.”
Os principais resultados do estudo foram apresentados no encontro da Sociedade Americana de Especialistas em Retina, nos Estados Unidos, no último fim de semana, e serão publicados nos próximos meses em periódicos científicos internacionais.