Nos últimos 4 500 anos, Stonehenge, monumento arquitetônico na planície de Salisbury, a 140 quilômetros de Londres, na Inglaterra, foi castigado por toda sorte de intempéries e ações humanas. Ainda assim, resistiu bravamente às marcas do tempo, a ponto de ser considerado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O fascínio justifica-se. As ruínas locais contam uma história que remonta ao período neolítico e remete aos povos que começavam a se estabelecer em comunidades e a criar hábitos e instrumentos para a manutenção da vida cotidiana na região. Resta apenas parte das pedras que um dia formaram círculos concêntricos e foram dispostas de acordo com a posição do sol na época dos solstícios de verão e inverno, talvez para a realização de rituais religiosos ou fúnebres no local — não há elementos suficientes para determinar sua função exata. Pois desde a semana passada, técnicos ocuparam o ponto turístico, um dos mais visitados do país, para recuperar rachaduras e buracos nos megálitos pré-históricos, em um dos maiores trabalhos de conservação realizados em décadas.
O sistema de numeração das pedras, criado em 1880 por William Flinders Petrie, coincide com o início do período moderno de restaurações de Stonehenge. A primeira intervenção documentada aconteceu um ano depois, para impedir a queda de um dos megálitos. Já em 1893, o então inspetor de monumentos antigos alertou para o fato de que muitos blocos corriam o risco de cair. Sete anos depois, às vésperas do Ano-Novo, na virada para o século XX, uma tempestade derrubou a pedra número 22, que ficou inteira na queda, e o lintel (como são chamados os blocos horizontais) número 122, que se partiu em dois pedaços tamanha a violência com que encontrou o chão. Fazia mais de um século que ocorrências desse tipo não eram registradas. Os restauros mais abrangentes e recentes datam do fim dos anos 50 e começo dos 60, e deixaram heranças que deverão ser corrigidas até o final do atual processo de recuperação.
Os trabalhos de agora estão sendo coordenados pelo English Heritage, o patrimônio histórico inglês, órgão responsável pela conservação e manutenção dos monumentos do país. Uma das pedras que a equipe vai examinar com mais atenção é justamente a de número 122, cujos pedaços quebrados na queda de 1900 foram “colados” com argamassa de concreto em 1958. A peça restaurada foi recolocada em sua posição original, como uma viga sobre duas outras verticais. Em 2018, quando uma equipe de arqueólogos e geólogos descobriu que alguns dos blocos de arenito foram trazidos de West Woods, uma área florestal a 25 quilômetros dali, os técnicos identificaram que a emenda estava rachando e com pedaços caindo.
O novo projeto de conservação traz um elemento de curiosidade. Algumas pessoas que estiveram envolvidas na intervenção do fim da década de 50 foram contatadas. Entre elas, Richard Woodman-Bailey, que tinha apenas 8 anos na época. Seu pai, o então arquiteto-chefe de monumentos antigos TA Bailey, que liderou o trabalho de restauração, deu-lhe o privilégio de pôr uma moeda sob um dos megálitos. O English Heritage e a Royal Mint, a casa da moeda britânica, providenciaram para que ele, hoje com 71 anos, volte a Stonehenge para colocar uma outra peça comemorativa de prata — cunhada especialmente para a ocasião — dentro da nova argamassa que vai segurar os blocos horizontais no lugar. “Graças à tecnologia e aos nossos monitoramentos, as pedras agora serão capazes de resistir ao teste do tempo”, comemorou a curadora de Stonehenge, Heather Sebire. A humanidade agradece.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757