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Não estamos caminhando para reverter mudanças climáticas, diz Carlos Nobre

Em entrevista a VEJA, climatologista falou sobre sua participação no Guardiões Planetários e o cenário atual da defesa ao meio ambiente

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 ago 2024, 17h37
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  • Carlos Nobre foi um dos primeiros cientistas a apontar, ainda na década de 1990, sobre os riscos que o desmatamento e o aquecimento global impunham à floresta Amazônica. Desde lá, ele se tornou um dos climatologistas mais importantes e respeitados do mundo como um vocal defensor do meio ambiente.

    Em junho, Nobre se tornou o primeiro brasileiro à integrar os Guardiões Planetários, uma organização sem fins lucrativos, fundada pelo empresário britânico Richard Branson, que busca investigar os limites planetários e fazer a ponte entre a ciência e a sociedade para evitar que eles seja ultrapassados.

    Em entrevista a VEJA, Nobre falou sobre sua participação no grupo e o cenário atual da reversão das mudanças climáticas e da defesa ao meio ambiente.

    Como o senhor se sente fazendo parte dos Guardiões Planetários? Fiquei muito honrado de ser escolhido para ser um dos Guardiões Planetários. É um grupo muito importante para tratar de um assunto muito desafiador, que busca mostrar quão perto nós estamos de inúmeros pontos de não retorno, dos limites planetários que o planeta todo está vivendo. As mudanças climáticas são um dos limites, a ameaça à biodiversidade é um dos principais deles, mas também tratamos da de questões como a quantidade gigantesca de plásticos nos rios e oceanos.

    Qual a importância de ter um brasileiro fazendo parte desse time? Esse grupo é muito interessante porque não é só um grupo só do norte global. Até o momento, 65% são dos integrantes são de países em desenvolvimento, inclusive, três jovens indígenas. Trazer o Brasil para dentro desse grupo, eu acho que é muito importante, porque o país tem a maior floresta tropical do planeta, a maior biodiversidade do mundo, com todos os seus biomas, então o mundo todo está muito preocupado com a gente.

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    É possível defender o clima, defender o planeta, e ainda assim manter o crescimento econômico, essa é uma ideia que faz sentido hoje? O custo econômico de eventos ligados aos extremos climáticos, como o que aconteceu no Rio Grande do Sul é muito mais alto do que o de buscar aumentar a resiliência das populações. Vale mais a pena buscar uma economia sustentável do que lidar com as consequências de desastres como esse, com prejuízo para todos os setores econômicos. Além disso, algumas tecnologias sustentáveis como agricultura e pecuária regenerativas são muito mais produtivas do que os métodos que utilizamos hoje. Hoje o custo da energia elétrica gerada por energias renováveis como solar e eólica é um terço do custo da energia eletricidade gerada com queima de combustíveis fósseis. O desafio é a escala. No Brasil, nós precisamos de políticas que apoiem uma transição mais rápida.

    Que papel a bioeconomia pode ter nisso? O Brasil tem a maior biodiversidade do planeta. Quando os europeus chegaram aqui, os indígenas utilizavam mais de 2 mil produtos das florestas que tínhamos aqui, sem precisar desmatar. Hoje isso ainda existe. Há cooperativas que produzem mais de 50 produtos e conseguem manter a floresta em pé. São os chamados sistemas agroflorestais. É nelas que se baseia a bioeconomia. São maneiras de produzir que rendem mais, geram mais empregos, mantém a floresta em pé e ainda ajudam a remover carbono da atmosfera. O Brasil tem toda condição de liderar esse tipo de produção.

    O cenário atual é reversível? Mesmo que a gente consiga reduzir rapidamente as emissões, os seus netos vão ainda viver os extremos climáticos que nós estamos vivendo hoje, porque o gás carbônico e outros gases de efeito estufa têm um tempo de residência na atmosfera muito grande, acima de 150 anos. Um exemplo da gravidade disso são as ondas de calor. Um estudo de 2021 mostra que uma pessoa que nasceu em 1960 enfrentaria cerca de 5 ondas de calor na sua vida, enquanto alguém que nasceu em 2020, enfrentaria 30 ondas de calor, mesmo com o aumento de temperatura estando abaixo 1,5 graus. Infelizmente não existe uma solução rápida. Temos que zerar as emissões antes de 2050 e depois, na segunda metade desse século, passar a remover uma grande parte desse gás. Será possível? Sim, mas nós não estamos caminhando nessa direção.

    Por que vocês defendem zerar as emissões até 2040 e não até 2050? Os estudos que fundamentaram os acordos da convenção temática diziam que para a gente não passar de 1,5 graus, nós deveríamos zerar as emissões líquidas até 2050, mas nós estamos vendo que que já estamos muito próximos desse aumento de temperatura. Com o nível atual de emissões, nós vamos atingir esse aumento de maneira permanente até 2030. Nós defendemos que precisamos zerar as emissões até 2040 ao invés de 2050 para tentar estabilizar as temperaturas depois disso e correr atrás de mitigar esses efeitos.

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