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Missão chinesa traz para a Terra amostras do subsolo da Lua

É um triunfo da humanidade às vésperas de uma nova década, aparentemente auspiciosa para a exploração espacial

Por Sergio Figueiredo Atualizado em 4 jun 2024, 13h51 - Publicado em 11 dez 2020, 06h00
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  • A mais recente viagem à Lua para recolher pedras e sedimentos foi realizada pela extinta União Soviética no longínquo 1976. Desde então, nenhuma outra nave pousou lá com esse propósito. Os Estados Unidos — que em seis missões tripuladas Apollo, de 1969 a 1972, trouxeram 382 quilos de material — deram continuidade às pesquisas com o que tinham recolhido e não foram buscar mais nada. Agora chegou a vez de a China dar sua contribuição ao avanço do estudo do universo: a sonda Chang’e-5 recolheu, na semana passada, 2 quilos de amostras e prepara-se para retornar à Terra. É um triunfo da humanidade às vésperas de uma nova década, aparentemente auspiciosa para a exploração espacial.

    Entender a composição e o processo de formação dos corpos celestes no sistema solar — asteroides e planetas — não é um capricho humano. Uma das chaves para desvendar a origem do mundo e da própria vida é a gigantesca rocha de 3 474 quilômetros de diâmetro que orbita a Terra. O balé gravitacional entre o planeta e seu satélite natural é responsável pelo ciclo de marés altas e baixas dos oceanos. Segundo teses mais recentes, a Lua é o que tem controlado a inclinação do eixo da Terra, ao longo de milhões de anos, conferindo o clima estável que permitiu o florescimento de vida orgânica. Se ela sumisse de repente, as mudanças climáticas seriam catastróficas e possivelmente o Homo sapiens desapareceria da face da Terra. Sempre jocosamente comparada a um queijo suíço por causa da profusão de crateras, resultado de impactos de meteoros e erupções vulcânicas ao longo dos anos, sua superfície é composta, até onde se sabe, de magnésio, ferro, silício, cálcio, alumínio e outros elementos em menores quantidades. Muito mais poderá ser descoberto com a sonda Chang’e-5, pois ela está trazendo amostras de uma planície onde americanos e russos jamais estiveram.

    A missão chinesa teve início com a ignição do foguete superpesado CZ-5, que decolou no dia 23 de novembro do Centro Espacial Wenchang, na ilha de Hainan, no sul do país. O precioso passageiro robótico era uma sonda de quatro módulos desenvolvida com o propósito exclusivo de recolher amostras. Chang’e-5 não viajou sem supervisão: além dos olhos atentos dos pais chineses, a Agência Espacial Europeia se comprometeu a ajudar a monitorar o avanço do aparelho de 8 toneladas rumo ao espaço sideral. Seis dias depois, já em órbita da Lua, um conjunto de dois módulos se separou do restante para iniciar sua lenta e cautelosa descida de dois dias rumo ao Oceanus Procellarum, uma região de 55 000 quilômetros quadrados ao norte do satélite. Apesar do que indica o nome em latim, que significa Oceano das Tempestades, Chang’e-5 alunissou sem problemas em 1º de dezembro.

    Começou então a operação de mineração: uma broca no módulo de pouso perfurou a superfície a uma profundidade de até 2 metros, extraindo amostras que, em seguida, foram recolhidas por uma garra que as depositou no contêiner. Diferentemente das sondas russas dos anos 1970, operadas por controle remoto e telemetria, a Chang’e-5 foi projetada para ser praticamente autônoma por meio de inteligência artificial. Atingido o objetivo de juntar pelo menos 2 quilos de pedras e sedimentos, o contêiner decolou no dia 3 e, apenas 48 horas depois, fez uma atracação perfeita com a nave orbital e sua cápsula. Após alguns dias em órbita aguardando a “janela” (termo usado para definir o momento mais adequado para a reentrada na atmosfera terrestre), a jornada de quase 400 000 quilômetros de volta ao lar está em andamento. Se tudo der certo, Chang’e-5 estará descendo na Mongólia no próximo dia 17.

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    Oceanus Procellarum é uma região com cerca de 1 bilhão de anos, bem mais jovem que as áreas exploradas por americanos e russos, formadas entre 2 bilhões e 3 bilhões de anos atrás. A diferença de idade, além da distância entre os pontos de coleta, faz das novas amostras um tesouro. O governo chinês pretende expor alguns gramas em museus, mas a maior parte ficará armazenada em ambiente pressurizado com nitrogênio, livre de contaminação. O simples contato das rochas lunares com o ar que respiramos poderia diminuir o notável valor científico do material.

    A China pode ser considerada uma novata quando comparada a seus pares americanos e europeus na exploração espacial, mas essa missão de fim de ano, se concluída com sucesso, vai coroar um programa que tem realizado feitos extraordinários nas últimas duas décadas. Em 2003, o primeiro astronauta chinês chegou ao espaço. No ano passado, a sonda Chang’e-4 levou o rover (veículo robótico) Yutu 2 para explorar a face lunar distante — o lado oculto para quem a vê da Terra —, por onde ele andou, fez análises químicas e tirou fotos.

    A Lua não está esquecida, apenas aguarda pacientemente a volta do homem, que esteve lá pela última vez em 1972. Ela já foi atingida por sondas de impacto, remexida por módulos de pouso e é continuamente espionada por naves orbitais e telescópios ópticos e infravermelhos. Chamada pelos poetas de “amante difícil” ou “namorada tímida”, por estar quase sempre ausente quando o Sol aparece, ela tem recebido visitantes ilustres. Afinal, segundo as lendas chinesas, Chang’e é uma deusa. A deusa da Lua.

    Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717

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